Título: Risco calculado
Autor: Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 26/08/2010, Rio, p. 22

Beltrame diz que sabe paradeiro de traficante da Rocinha, mas não o prende para evitar mortes de inocentes

BELTRAME: ¿Quando decidir entrar lá (na Rocinha), eu vou entrar e buscar, porque, se tiver que fazer guerra, vou fazer uma vez só¿

BANDIDOS embarcam numa van durante o confronto que levou terror sábado a São Conrado (ao lado). Após a invasão do hotel, hóspedes do Intercontinental saem assustados (acima)

Otraficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, que motivou o tiroteio de sábado passado em São Conrado, levando pânico a moradores e turistas, tem paradeiro certo e sabido pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Em entrevista à revista ¿Época¿, ele revelou que sabe até o que há dentro da casa do bandido, mas ressaltou ser preciso evitar o confronto, para que inocentes não morram. O criminoso, segundo o secretário, tem uma rotina conhecida da cúpula da polícia.

¿ Sei onde está o Nem, e sei até o que tem dentro da casa dele. Não tenho medo de traficante. Mas não posso arriscar a vida dos moradores. Para eu ir buscar essa pessoa, a sociedade está disposta a pagar o custo de algumas vidas? ¿ perguntou Beltrame, buscando uma justificativa. ¿ Eu tenho que pensar nisso, porque eu sou um administrador público. Quando decidir entrar lá, eu vou entrar e buscar, porque, se tiver que fazer guerra, vou fazer uma vez só.

Para o secretário de Segurança Pública, o encontro de quatro policiais militares com um bonde de 60 traficantes armados numa rua de São Conrado foi uma infelicidade. Ele disse que o resultado do tiroteio ¿ sete pessoas ficaram feridas e uma mulher, supostamente cúmplice de Nem, morreu ¿ poderia ter sido bem pior: o secretário se referia à hipótese de haver um contingente maior de policiais no confronto.

¿ Tínhamos 800 pessoas no hotel, e todas se salvaram. Os reforços policiais que chegaram foram decisivos. Tudo terminou com uma só vítima fatal (sic), uma mulher que trabalhava para eles, no caixa do tráfico, e cujo corpo foi jogado no asfalto para a gente recolher. Prendemos dez (traficantes), apreendemos fuzis. Mas foi uma infelicidade. Eu costumo dizer que, infelizmente, até que o novo Rio seja uma realidade completa, nós vamos ter que conviver com esse velho Rio ¿ disse Beltrame à revista.

Secretário não fixa data para nova UPP

O secretário de Segurança Pública não quis precisar um ano para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Rocinha, como fez na segunda-feira o vice-governador Luiz Fernando Pezão, ao dizer que a favela será beneficiada até 2014.

¿ A Rocinha vai ter, mas não dá para dizer quando exatamente, porque isso envolve não só o sigilo do planejamento, mas a logística. Eu não tenho como entrar lá agora, porque não tenho homens se formando numa quantidade suficiente a cada ano. Precisaria de uns 1.800 para colocar lá. Durante 40 anos, só se enxugou gelo na segurança do Rio. Tinha um tiroteio aqui, corria para lá. Tinha outro, ia para outro lugar. A gente tem que ter muito cuidado, ir na base da faca na bota ¿ afirmou ele, na entrevista.

Ao saber do relato do secretário José Mariano Beltrame à revista ¿Época¿, o coronel José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança Pública, disse que a polícia do Rio de Janeiro está vivendo um momento de impotência.

¿ Um monte de gente fotografou e gravou em vídeo o tiroteio. O que não pode é a gente ficar sujeita à felicidade ou à infelicidade. Foi muita sorte mais civis não terem se ferido. Consta que os bandidos atiraram primeiro, e parece que a PM do Rio não considera a opção de deixar os bandidos fugirem. Era esse o caso. Houve uma sucessão de sorte ¿ criticou o ex-secretário José Vicente.

Ontem, a polícia prendeu o 12º homem envolvido no tiroteio em São Conrado. Ele foi detido no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, onde está internado. Os agentes que o prenderam desconfiam que ele tentaria fugir, já que ontem a sua mulher foi surpreendida no hospital tentando lhe entregar muletas. Um outro acusado de ter participado do confronto já havia sido preso num hospital também.

De acordo com a polícia, horas antes do tiroteio em São Conrado, o homem preso ontem no Souza Aguiar e mais quatro traficantes da Rocinha executaram um jovem de 19 anos, em Niterói. Policiais informaram que o criminoso atingiu a vítima com cinco tiros de pistola e, ao fazer o sexto disparo, teria acertado a própria perna. O motivo do crime ainda é desconhecido.

Mesmo ferido, ainda de acordo com a polícia, o bandido teria se juntado ao restante da quadrilha no Morro do Vidigal ¿ o confronto em São Conrado aconteceu no momento em que o comboio de traficantes voltava para a Rocinha. Depois do tiroteio, o criminoso teria sido levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Rocinha e, em seguida, para o Hospital Souza Aguiar. Ele estava em liberdade condicional e cumpria pena por tráfico de drogas e porte ilegal de arma.

Dos cerca de 60 bandidos que participaram do tiroteio em São Conrado, dez, incluindo um menor, foram presos após fazerem 35 reféns no Hotel Intercontinental. Eles aguardam transferência para a penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia. A Justiça do Rio aceitou o pedido de transferência, feito pelo governador Sérgio Cabral.