Título: A briga para tirar obras da lista suja
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 04/07/2009, Política, p. 2

Comissão Mista de Orçamento tenta livrar de embargo 22 empreendimentos auditados pelo TCU. Hospital Regional de Cacoal, em Rondônia: erros na documentação paralisaram as obras.

O Congresso Nacional quer acabar com o embargo a obras incluídas na lista negra do Orçamento há mais de três anos e impedidas de receber dinheiro da União. Na contramão de sucessivas auditorias feitas pelo Tribunal de Contas da União ¿ que detectaram indícios de licitações fraudulentas, superfaturamentos e contratos abusivos ¿, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) quer liberar esses empreendimentos até o fim do ano.

A relação de 30 obras com suspeita de irregularidades graves foi enviada a pedido do presidente da CMO, senador Almeida Lima (PMDB-SE), ao TCU, junto com solicitação de atualização da situação desses projetos. O levantamento solicitado se detém a obras que estão paralisadas há mais de três anos, e é a parte palpável da disputa travada entre o Congresso e o TCU, em nome da celeridade. Com a proximidade do ano eleitoral, a sanha pela concretização desses investimentos cresce. ¿Não podemos ficar com essas obras paradas na comissão¿, sustentou Lima.

É a primeira vez que esse tipo de levantamento é feito. A intenção é identificar as imperfeições apontadas pelos auditores do tribunal e promover audiências públicas para que, até a votação do Orçamento de 2010, no fim deste ano, essas obras possam voltar a receber recursos. O Correio teve acesso aos empreendimentos listados. Das 30 que estão na lista negra do orçamento há pelo menos três anos, apenas oito sanaram as irregularidades apontadas. As outras 22, na avaliação do TCU, permanecem impedidas de receber dinheiro público.

O relatório é um retrato da desordem com que são tratados os recursos no Brasil. Nas 22 obras que ainda são consideradas alvos de irregularidades graves, o montante fiscalizado pelo TCU chegou a R$ 1,1 bilhão. Entre os casos mais gritantes, está a construção da adutora da Batateira, no estado da Bahia. A obra, paralisada no ano 2000, teve R$ 54,7 milhões auditados pelo TCU. Na análise das contas foi encontrado o aditamento de um contrato em 125,47%, que fez com que o valor do empreendimento saltasse dos R$ 6,6 milhões orçados inicialmente para R$ 14,9 milhões.

Erros crassos na documentação das obras também resultaram no embargo à construção do Hospital Regional de Cacoal, em Rondônia. Em 2004, auditoria do TCU detectou irregularidades na execução do projeto, como documentos que deveriam ter sido apresentados ainda na fase de lançamento do edital de licitação e cláusulas contratuais exorbitantes, que apontavam para direcionamento do processo. Desde então, a construção está enquadrada no anexo VI da LOA. A construção do Cacoal será retomada este ano, com recursos privados, mas a recomendação do TCU de que dinheiro público não seja aplicado no projeto permanece.

SOB SUSPEITA Obras paralisadas por conta de irregularidades graves há mais de três anos

Implantação da escola Agrotécnica Federal em Nova Andradina (MS) Paralisada desde 2002. Faltam as licenças ambientais e existe uma irregularidade quanto à licença de instalação da escola.

Construção do Hospital Regional de Cacoal (RO)(Foto) Paralisada desde 2004. As irregularidades listadas pelo TCU são a não utilização de preços listados no Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil, falta de clareza do projeto, não apresentação de documentos que deveriam ter constado na fase do edital da obra, cláusulas contratuais exorbitantes, com indícios de direcionamento.

Restauração de rodovias federais (ES) Paralisada desde 2004. O Tribunal apurou existência de valores pagos em excesso pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) à empresa que executou as obras.

Recuperação de trechos rodoviários, na BR-262 (ES e MG) Paralisada desde 2001. A obra licitada é incompatível com o projeto utilizado para viabilizar os trabalhos na rodovia, que versa apenas sobre a manutenção da estrada. O TCU também apurou um superfaturamento de mais de R$ 5 milhões em valores atualizados.

Construção de trechos rodoviários na BR-393 (ES) Paralisada desde 2005. O TCU apurou deficiências no projeto básico e sobrepreço no orçamento da obra.

Construção de trechos rodoviários na BR-342 (ES) Paralisada desde 2003. Foram identificadas alterações indevidas nos projetos de execução das obras, pagamento de serviços não realizados, sobrepreço e superfaturamento.

Construção de trechos rodoviários no Corredor Mercosul (PR) Paralisada desde 2003. Foram encontrados indícios de irregularidades no processo de licitação.

Restauração de rodovias federais, na BR-364 (RO) Paralisada desde 2004. Foram constatadas irregularidades no processo de licitação que resultaram em prejuízo ao erário e acréscimos aos valores contratuais superiores aos limites estabelecidos pela lei de licitações.

Construção de Ponte sobre o Rio Itacutú (RR) Paralisada desde 2007.O projeto básico da obra é deficiente e há indícios de sobrepreço.

Construção de trechos rodoviários na BR-235 (TO e MA) Paralisada desde 2002. Foram encontradas irregularidades no processo de licitação da obra, o projeto básico é deficiente e existem irregularidades graves no que diz respeito ao impacto ambiental da obra. Por conta do embargo, a obra sequer foi iniciada.

Construção de trechos rodoviários na BR-230 (Transamazônica-TO) A obra foi licitada em 1995 e concluída em 2002, mas segundo o TCU, existem valores retidos que devem ser ressarcidos aos cofres públicos. Existem indícios de superfaturamento e sobrepreço.

Projeto para prevenção de enchentes no Rio Poty (PI) Paralisada desde 2003. O TCU apurou fraude em licitação, execução orçamentária irregular e sobrepreço.

Conclusão de obras de macrodrenagem (AL) Paralisada desde 2007. O TCU aprutou irregularidades no processo de licitação, alterações indevidas no projeto, superfaturamento e execução orçamentária irregular.

Construção da adutora na Serra da Batateira (BA) Paralisada desde 2000. Foram encontradas impropriedades no processo de licitação e superfaturamento.

Construção do sistema adutor do Itapecuru (MA) Paralisada desde 2002. Foram constatadas irregularidades no estudo de impacto ambiental da obra e superdaturamento.

Construção da adutora de Santa Cruz (RN) Paralisada desde 1994. O TCU encontrou irregularidades e determinou abertura de novo processo de licitação. Segundo o Tribunal, seria possível reduzir o valor do contrato em R$ 16 milhões.

Execução das obras do canal extravasor (SC) Não recebe recursos da União desde 2001, mas a obra está sendo continuada com recursos do município de Brusque. O TCU encontrou indícios de sobrepreço e superfaturamento.

Construção da Barragem Berizal (MG) Paralisada desde 2002. Os estudos ambientais apresentados são insuficientes.

Construção da Barragem Congonhas (MG) Paralisada desde 2007. Os estudos ambientais são insuficientes.

Construção da Barragem Rangel (PI) Paralisada desde 1999. O TCU determinou a anulação da concorrência e realização de nova licitação, após reavaliação de estudos técnicos e ambientais. O governo do Piauí abriu nova licitação este ano para a realização do projeto básico, com recursos estaduais.

Apoio a projetos de infraestrutura turística (RO) Paralisado desde 2002. O projeto básico é deficiente, há irregularidades nos documentos apresentados e sobrepreço. Após a inclusão da obra no anexo VI da Lei Orçamentária Anual em 2005, recebeu repasses a despeito da recomendação do TCU.

Conclusão das obras do Complexo Viário do Rio Baquirivi (SP) Paralisada desde 2004. Foi constatado execução de serviços não previstos no contrato, falta de licença ambiental, alterações indevidas de projeto e especificações e superfaturamento.

Ponto crítico

O senhor acha que as obras com irregularidades graves devem ser regularizadas?

SIM

Benjamin Zymler

O TCU verifica irregularidades em contratos e licitações e, quando são graves, não tem outra alternativa a não ser determinar a paralisação. É sempre dramático porque as obras são necessárias. Mas é a Constituição que determina que o TCU pare projetos com contratos viciados, licitações direcionadas ou orçamentos com sobrepreço. Há sempre pressão grande. Vai contra os interesses de empreiteiras que querem ter lucros exorbitantes. Para evitar `elefantes brancos¿, defendo um choque de gestão no Executivo. Os dois grandes problemas são a falta de projeto básico ¿ reflexo da cultura de não planejar ¿ e a desorganização na hora de elaborar o orçamento.

Vice-presidente do Tribunal de Contas de União

NÃO

Almeida Lima (PMDB-SE)

Obras paradas também causam prejuízos para o Estado e para a sociedade. Elas acabam se deteriorando, o que provoca um desperdício de recursos financeiros aplicados anteriormente, e não cumprem o seu objetivo social. A nossa intenção é apurar as falhas, ordenar que seja feito da forma correta, mas dar prosseguimento a esses projetos. Não vou abrir mão da prerrogativa, que é do Congresso Nacional, de dizer quem pode e quem não pode receber recurso. E farei isso ouvindo o TCU como órgão auxiliar que ele é. Não temos nada contra ninguém, mas não vamos continuar com obras como essas, há mais de três anos paradas na comissão.

Presidente da Comissão Mista de Orçamento