Título: Caçada aos matadores
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 27/08/2010, O Mundo, p. 41

Autópsia identifica brasileiro entre 32 corpos, mas Itamaraty ainda vai checar documentação

RIO e CIDADE DO MÉXICO

Uma megaoperação foi montada às pressas pelo governo do México para capturar os responsáveis pelo massacre de 72 imigrantes ilegais que cruzavam o estado mexicano de Tamaulipas rumo aos Estados Unidos. Enquanto helicópteros davam apoio a tanques e patrulhas fortemente armadas que faziam uma varredura das regiões junto à fronteira, diplomatas de Brasil, Equador, El Salvador e Honduras chegavam ao distrito de Reynosa para acompanhar de perto a perícia e identificação dos corpos. O cônsul-geral do Brasil no México, Márcio Araujo Lage, e o vice-cônsul, João Batista Zaidan, foram ao local para tentar identificar e repatriar os cidadãos brasileiros entre as vítimas.

Documentos encontrados junto aos 32 corpos necropsiados até a noite de ontem mostram que pelo menos uma das vítimas é brasileira.

Como seu nome parece ser de origem hispânica, não podemos confirmar se é realmente brasileiro informou da Cidade do México a cônsul-geral adjunta, Maria Aparecida Weiss, ao GLOBO por telefone.

Segundo as autoridades mexicanas, somente 15 dos 72 corpos já foram identificados.

Sabemos que a autópsia está em andamento, mas falta informação. Todos os diplomatas estão aguardando em Reynosa, a cerca de 150 quilômetros do local do crime, em San Fernando.

Somente depois de concluir todas as autópsias, vão começar a buscar e comparar os documentos encontrados para fazer a identificação.

Vai demorar bastante afirmou o vicecônsul João Batista Zaidan, ao GLOBO.

Maria Aparecida Weiss advertiu que a divulgação das identidades deve levar alguns dias: Cabe ressaltar que trata-se de muitos corpos nesta fase crítica. A perícia precisa determinar a causa da morte e a data. Depois há o processo de identificação e o trabalho de localização das famílias. É preciso ver qual o desejo dessas famílias e providenciar todos os trâmites legais, como atestados de óbito.

Frieza e brutalidade em tiros de misericórdia

Segundo um porta-voz da Procuradoria de Tamaulipas, o trabalho de autópsia dos 58 homens e 14 mulheres começou na tarde de ontem com uma equipe pequena. Fontes ligadas à operação afirmam que há quatro brasileiros e seis equatorianos entre os mortos sendo os demais cidadãos de Honduras e El Salvador. De acordo com o jornal El Universal, a denúncia de que haveria outros cadáveres abandonados em fossas comuns nos arredores de San Fernando levou o país a convocar o reforço de 200 homens às tropas envolvidas na operação de busca.

Ainda de acordo com o diário mexicano, um menor, apreendido na cena do crime, vem mantendo o silêncio. Ele teria feito ontem suas primeiras declarações em juízo, perante oficiais da Procuradoria-Geral da República.

O presidente mexicano, Felipe Calderón, classificou de monstros os autores da chacina.

São simplesmente monstros e temos que combatê-los. Há muito essa gente perdeu os escrúpulos e qualquer resto de razão. Estão totalmente loucos disse o presidente, que também criticou o fato de o nome e a foto do equatoriano Luis Freddy Lala Pomavilla terem vazado.

Pomavilla, de 18 anos, estava com o grupo e fingiu-se de morto para escapar. Mesmo baleado na garganta, conseguiu se arrastar e pedir socorro a um grupo de fuzileiros da Marinha que, acionados, descobriram os corpos amontoados num rancho próximo a San Fernando. Recuperandose num hospital sob custódia da polícia, ele contou ter pago US$ 11 mil a um coiote para fazer a travessia e chegar aos EUA. Segundo Pomavilla, o grupo viajava num caminhão quando foi interceptado por várias caminhonetes. Os criminosos teriam se identificado como integrantes do cartel Los Zetas e oferecido US$ 1.000 por quinzena para que trabalhassem como capangas. Diante da negativa do grupo, os bandidos vendaram e amarraram os pés e mãos de todos e abriram fogo.

Os sobreviventes às rajadas de balas foram eliminados com tiros de misericórdia.

Só lembro de ter ouvido os lamentos e súplicas.

Ouvi os disparos e quando tudo acabou, me levantei para pedir ajuda, contou ele ao diário equatoriano El Comercio.

O governo do Equador não poupou críticas ao tratamento destinado ao rapaz e pediu ao México que aumente a proteção à vítima.

É questionável que a imagem de nosso compatriota esteja em todo o mundo quando se trata de testemunha de um ato do crime organizado disse a titular da Secretaria Nacional do Migrante (Senami), Lorena Escudero.

Governos sul-americanos condenaram a chacina e, em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Phillip Crowley, classificou a matança como um crime horrendo e ofereceu ajuda ao México para investigar o caso.