Título: Em Tocantins, preso é amarrado a árvore
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 29/08/2010, O País, p. 22

Levantamento sobre sistema carcerário mostra detidos dormindo ao relento

Enviado especial

PALMAS. O bonde da civilização passou ao largo da casa de detenção de Tocantinópolis, cidade a 700km de Palmas. Na bucólica paisagem de rios e campinas, nove presos dormem ao relento. Um deles dorme amarrado a uma árvore. Tudo por falta de espaço nas abarrotadas celas da prisão. Essas e outras cenas de horrores estão sendo documentadas em relatório que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prepara sobre o sistema carcerário no país.

É estarrecedor. A sociedade brasileira não pode pactuar com uma situação como esta de Tocantins, que lembra cenas da Idade Média. Amarrar alguém a uma árvore para mantê-lo preso cumprindo ordem judicial é uma atitude inominável que nos remete à barbárie afirmou o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Cezar Peluso.

Ao longo da semana, O GLOBO acompanhou inspeções do conselho em prisões de Dianópolis, Natividade, Porto Nacional, Gurupi e Figueirópolis, ao sul de Palmas. O quadro, uma amostra da realidade nacional, é assustador. Diante do juiz Carlos Ritzmann, coordenador da vistoria, alguns presos pedem liberdade com o argumento de que têm direito à progressão de regime. Mas a maioria dos detentos, quase todos negros, pobres e de baixa instrução, clama por algo mais simples: luz, água e oxigênio.

Tá muito abafado. Tá muito cheio. A gente não consegue nem respirar reclama um detento em meio ao amontoado de corpos numa cela na Casa de Detenção de Porto Nacional.

É a última fronteira da indignidade, diz juiz A prisão, um casarão antigo e decadente, com capacidade para 24 presos, abriga 95. Janelas pequenas e portões reduzem a circulação de ar e a passagem da luz externa. O resultado é um cenário em que presos não têm condições de ler nas celas e mal conseguem distinguir a noite do dia. Nas outras dependências, carcereiros também se queixam do calor excessivo, do ambiente sufocante e do pouco número de profissionais para administrar e controlar a cadeia.

Tá escuro e esquenta demais.

Aqui dois presos dormem num colchão só queixa-se Fernando Alves da Silva, um dos 12 presos de uma cela na Casa de Prisão Provisória de Gurupi.

A inspeção do CNJ no Tocantins terminará sexta-feira. Na semana passada, numa das visitas, o juiz Carlos Ritzmann se deparou com o caso de Tocantinópolis, onde, por falta de vagas, nove presos dormem embaixo de um pé de acerola.

É a última fronteira da indignidade.

Um sujeito amarrado numa árvore, feito um animal, é inadmissível disse.