Título: Jânio, há 32 anos: Lula é a esperança para todos nós
Autor: Camarotti, Gerson; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 29/08/2010, O País, p. 17

O título de hoje é de arrepiar e faz parte de um depoimento do ex-presidente Jânio Quadros. Publiquei, na época, no ¿Jornal de Brasília¿, sob o título ¿Senti cócegas para fechar o Congresso¿. A importância histórica deste depoimento, praticamente inédito, é que ele foi feito antes da anistia e seis anos antes de Jânio retornar à vida pública e se eleger prefeito de São Paulo.

Portanto, era um Jânio Quadros diferente, liberto de tudo. Politicamente aposentado. Ao que me lembre, somente dois repórteres tiveram o privilégio de entrevistar Jânio antes da anistia: José Augusto Ribeiro, pelo GLOBO, e eu, pelo ¿JBr¿.

¿ Quero pintar. Apenas pintar, pintar e pintar.

Condição inviolável para a entrevista: não perguntar nada sobre a renúncia. Quando falei que ele, como conterrâneo, era a maior referência para o meu povo, e provei, citando marchinhas e trechos de discursos da sua campanha, e revelei que tinha apenas 4 anos de idade e ia aos seus comícios, Jânio Quadros, num gesto teatral, como se estivesse num palco, levantou-se da cadeira, caminhou em minha direção ¿ fiquei com medo ¿ e apontou o dedo para mim, aos prantos:

--- Para, para, jornalista! Não me mate de emoção. Pergunte tudo o que quiseres e responderei.

Ganhei Jânio ali. A história de como cheguei a ele merece um livro. Pretendo contá-la ainda aqui. Mas estou louco para que vocês leiam mais abaixo a íntegra de uma pitadinha do que escrevo aqui agora:

¿ Mais de uma vez eu já disse que reputo esse Lula uma esperança para todos nós.

A seguir trechos do depoimento de Jânio Quadros:

LULA: Mais de uma vez eu já disse que reputo esse Lula uma esperança para todos nós. E por quê? Porque ele é um dirigente sindical que não está atado a interesses políticos e partidários. A sua política é a do seu sindicato. E esse é pouco mais ou menos o pensamento do dirigente sindical americano ou inglês. Dirigente de um daqueles poderosos sindicatos da Inglaterra ou do poderoso consórcio dos sindicatos norte-americanos: não é trabalhista e nem conservador, no Reino Unido; não é republicano e nem democrata, nos EUA. Pessoalmente, ele pode até ter simpatias pelos trabalhistas, pelos democratas. Mas a sua política é o do seu sindicato. E, quando conversa com políticos, conversa com total independência.

FECHAMENTO DO CONGRESSO: Ah, sim. No dia 25, dia da renúncia, eu tive cócega. Como foi? Não, não há o que contar. Eu só pesei o que iria fazer. Eu tinha dúvidas em relação à Guanabara. Acreditava que o Sr. Carlos Lacerda se rebelasse, até porque, fechado o Congresso, eu iria depô-lo. Seria o primeiro. E qualquer outro que procedesse como ele. Eu tinha dúvidas quanto à Guarnição da Vila Militar, que o Sr. Carlos Lacerda trabalhara muito, infiltrara-se nela. Eu tinha dúvidas quanto ao III Exército, no Rio Grande. Poderia ter dúvidas em relação ao governador Brizola também. E não queria passar à História com uma responsabilidade de dezenas, centenas ou milhares de mortes.

CONFIANÇA: Eu confiava nos meus ministros militares. No ministro Denys, no ministro Heck e no ministro Moss. Neles eu confiava plenamente. E também me bastava. Confiava plenamente também na guarnição de São Paulo. No que respeita a governadores, com as ressalvas que já fiz, não me preocupavam muito, porque o papel deles, em golpes dessa natureza, é muito pouco relevante, muito pouco importante.

VOTOS NO CONGRESSO: Eu não tinha nem um terço dos congressistas. Tinha dois terços furiosamente contra mim. Eu havia cassado esses deputados e senadores nos seus respectivos municípios. Eles defenderam a candidatura Lott ou a candidatura Adhemar, e eu os batera lá, no reduto. Sabiam muito bem que, se eu continuasse na Presidência, eles não voltariam nas próximas eleições. Aí eu iria cuidar de refazer o Congresso. Tinham certeza de que não voltariam e não voltariam mesmo.

A RENÚNCIA: Sete meses em Brasília quase me esgotaram. Imagine um quinquênio, cinco anos! Eu saí de lá muito cansado. Até porque eu sempre exerci a Presidência, o governo do Estado, a Prefeitura começando às cinco e meia da manhã, até oito, nove e dez da noite, ininterruptamente. Nunca tive uma hora inteira para o almoço. Era um almoço vulgar: feijão, bife, arroz, um ovo. Era às carreiras e já regressava. E ainda encontrava tempo para fazer visitas de surpresa. Era para ver como o funcionalismo estava tratando o povo.

(Continua amanhã)