Título: O peso da casa própria na corrida eleitoral
Autor: Delmas, Maria Fernanda
Fonte: O Globo, 30/08/2010, O País, p. 9

Programa habitacional Minha Casa, Minha Vida ajuda governo, mesmo não atingindo ainda os mais pobres

RIO e SÃO PAULO. Em janeiro de 2004, uma família com renda mensal de três salários mínimos conseguia no máximo um financiamento de R$ 23.500 para comprar a casa própria. Em julho de 2010, essa mesma família teria acesso a R$ 84 mil no programa Minha Casa, Minha Vida. As contas, feitas para financiamento sem entrada, são do economista Marcus Valpassos, da Galanto Consultoria.

Atualizando o valor de 2004 pelo índice INPC, seriam R$ 38 mil hoje. Ainda assim, muito aquém do financiamento de agora.

Da diferença entre o valor atualizado e o número de hoje, 50% são resultado dos subsídios do governo; 30%, possíveis pelo ganho salarial; e os outros 20%, resultado da melhoria das condições de financiamento, com queda dos juros e aumento dos prazos, calcula Valpassos.

Não é difícil concluir que o programa de moradias, lançado em março de 2009, dá tônus eleitoral ao governo apesar de nem 1% ter saído do papel para as faixas que ganham até três salários mínimos, beneficiando apenas 3.588 dessas famílias.

Meta de construir ao menos um milhão de casas Como o cadastramento no programa está aberto, só isso já tem apelo eleitoral, avalia Miguel de Oliveira, conselheiro da Anefac, associação dos executivos de finanças. O Minha Casa, Minha Vida, com sua meta de construir um milhão ou até dois milhões de casas, une-se ao crescimento acelerado do crédito imobiliário para a classe média para empurrar a candidatura do PT para cima, nas pesquisas.

De acordo com números do Banco Central, a carteira de crédito habitacional, que inclui operações com pessoas físicas e cooperativas do setor, somou R$ 116,1 bilhões em julho. Em um ano, foi um aumento de 50,8%.

Para Sérgio Vale, economistachefe da MB Associados, o bom momento do crédito habitacional é resultado de um projeto de 16 anos que começou no governo Fernando Henrique, com medidas que deram segurança ao sistema. Uma delas foi a alienação fiduciária. Antes, o imóvel era de quem tomava o crédito e ficava em hipoteca. Agora, é garantia: tem-se a posse, mas não a propriedade, até que seja pago.

Joaquim Elói Cirne de Toledo, que foi diretor do banco Nossa Caixa, lembra que uma mudança na contabilização do FCVS fez os bancos terem de aplicar mais em crédito imobiliário, para cumprir as exigências. E, por fim, a procura pela população foi impulsionada com a queda dos juros.

A população percebe hoje mais a parte dos juros, o poder comprar diz Vale.

Hiperinflação localizada onde há muita demanda Muitos especialistas não veem perigo de bolha no crédito imobiliário igual à dos EUA. Não haveria uma corrida para comprar na esperança de revender por muito mais, sem justificativa real para os preços. Aqui, o financiamento habitacional representa 4% do PIB, contra 60% nos mercados americano e europeu. Em 2014, poderia chegar a 11%, projeta a Abecip, de entidades de crédito imobiliário e poupança.

Vemos as pessoas comprando porque mudam para um imóvel maior, saem da favela para ir para a periferia. Todo mundo dando um passinho à frente afirma Cirne de Toledo.

Mas muita gente que tenta comprar ou alugar apartamento em alguns bairros de grandes metrópoles já se sente numa bolha.

No Leblon, na Zona Sul do Rio, em dois anos o preço de venda de um quatro quartos subiu 250% e o aluguel, 102%, pesquisou o Secovi Rio. Para Vale, são problemas pontuais em regiões onde há muita demanda e áreas de menos a construir. Os preços em geral subirão, mas não tanto, acredita o economista da MB. Os juros para a classe média ainda são altos. Mas a maior consequência enxergada por Valpassos é a compra de apartamentos aquém do que se poderia conseguir em países com juros mais normais.

No Minha Casa, Minha Vida, também não se vê bolha. O déficit habitacional no país é de 5,8 milhões de moradias. Segundo Valpassos, o programa feito para famílias com renda até dez salários mínimos tem de vencer as dificuldades na faixa até três salários, para quem os imóveis ainda são caros. Uma das questões a discutir seria aumentar o subsídio. Para o diretor de Vendas de São Paulo da construtora MRV, Sérgio dos Anjos, as obras do programa em geral estão dentro do prazo, mas, com aumento de negócios, ele vê gargalos na Caixa Econômica Federal, nas prefeituras e nos cartórios.

Paulo Safady, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, alerta que na 2afase do programa a tendência é fazer conjuntos maiores e mais afastados. É preciso ter planejamento: urbanização, creches e postos de saúde.

COLABOROU: Leila Suwwan