Título: Brasileiros enfrentam rotina de medo
Autor:
Fonte: O Globo, 28/08/2010, O Mundo, p. 42

Quando o paraibano José Gildo de Araújo, de 23 anos, deixou Campina Grande para estudar em Tampico, no estado de Tamaulipas, não imaginava que teria que se adaptar a uma rotina determinada pelo medo. Depois das 20h, sair de casa na cidade de cerca de 300 mil habitantes a apenas seis quilômetros de San Fernando, palco da chacina que vitimou 72 imigrantes ilegais é uma aventura indescritível.

Nunca se sabe onde será o próximo embate entre traficantes do Los Zetas e do Cartel do Golfo, quando haverá o próximo toque de recolher ou mesmo se os ônibus vão circular.

Além de estudar, nossa programação era só ir na casa de amigos. Os mexicanos evitam sair à noite, dizem que é arriscado.

Depois das 20h, trancava portas e janelas e fechava as cortinas para não chamar a atenção conta o estudante, que, assustado com a violência, retornou à Paraíba há dois dias, sem sequer concluir o mestrado em Computação no Instituto Tecnológico de Ciudad Madero.

Depois de ganhar uma bolsa de estudos do governo mexicano em agosto de 2009, o jovem diz ter visto a segurança se deteriorar rapidamente. Os alertas da ação de narcotraficantes nas ruas são emitidos boca-a-boca, e à rotina foi incorporado o hábito de checar diariamente, pela manhã, blogs criados por mexicanos para denunciar, anonimamente, relatos de gritos, disparos ou qualquer anormalidade.

Várias vezes as aulas foram suspensas devido aos boatos de tiroteio. No campus, há cartazes com orientações do que fazer em caso de violência, como se abaixar, não correr, não entrar em pânico, chamar as Forças Armadas afirma o estudante.

Meus pais ligavam toda hora pedindo que eu voltasse.

Estava correndo riscos, mas não queria correr perigo.

No estado de Nuevo León, nem Monterrey, maior pólo industrial do país, escapa da brutalidade do tráfico. Morando há quatro anos na cidade, a secretária paulista Angélica Sbrissa, de 32 anos, diz contar os segundos para deixar o México. Segundo ela, até um simples almoço fora pode ser arriscado: não faltam relatos de grupos tentando extorquir, ameaçar ou sequestrar clientes de bares e restaurantes.

Ela e o marido mexicano, Juan Carlos, estão de mudança para os Estados Unidos.

As pessoas vivem, mas evitase estradas à noite. Evita-se trocar o carro por um melhor para não chamar atenção. Às vezes, o rádio e a TV avisam que as principais avenidas foram fechadas.

Está perigoso. A violência está cada vez mais perto, é melhor ir embora antes que bata à nossa porta sentencia.