Título: Corrupção e cumplicidade
Autor:
Fonte: O Globo, 28/08/2010, O Mundo, p. 42

Setenta e dois migrantes percorreram o país sem que nenhuma autoridade se desse conta. A única forma de explicar isso é pela cumplicidade e pela corrupção. Se entraram pelo estado sulista de Chiapas, não há possibilidade de não terem sido notados, pois tudo está à vista. Se há alguém que conhece o fluxo dos imigrantes são as autoridades, que só atuam se não recebem sua ¿cota¿. Os migrantes cruzam o país por rotas conhecidas. Passam por Veracruz e Tabasco para dali se dirigirem a Tamaulipas, destino final no México, e depois, aos EUA.

Há pouco mais de dois anos no estado de Quintana Roo, um caminhão oficial transportava migrantes centro-americanos para deportá-los. No meio do ¿nada¿, como disse um dos agentes que participava da operação, apareceu um grupo armado e interceptou violentamente o veículo. Retiraram os agentes de migração e levaram os migrantes. Dias depois, os ¿sequestrados¿ apareceram em Ciudad Hidalgo, no Texas.

Na ocasião, a diretora do Instituto Nacional de Migração assegurou que havia muita corrupção na entidade. Ficou evidente que hoje em dia ela é ainda maior. Está documentada a relação entre os cartéis de droga e os contrabandistas. Também estão associados à prostituição, venda de órgãos, de armas e de crianças. Alguém dirá que há um mercado para isso e que é um dos preços de ser vizinho dos EUA. Dirão também que estamos em meio a gangues internacionais. Podem dizer o que quiserem, mas de qualquer ponto de vista, estamos sob a impunidade. A tragédia dos 72 migrantes, e do equatoriano que se salvou por milagre, confirma a descomposição social e a corrupção.

Por mais que se feche o cerco contra o narcotráfico ¿ que utiliza estratégias como a de obrigar os migrantes a se integrarem em suas estruturas ¿ é um fato que, ao não definir uma política de Estado em matéria de imigração, o que ocorreu em San Fernando poderá se repetir muitas outras vezes.

Os migrantes só importam quando se trata do dinheiro que enviam dos EUA. Ao não prestar atenção neles, a não ser para tentar corrompê-los, tanto mexicanos quanto estrangeiros terminam por percorrer o país sob a lei da selva em meio a cartéis de drogas, contrabandistas, autoridades corruptas, temperaturas extremas e todo o resto.

Foi brutal a violência contra os migrantes em São Fernando. Além disso, é doloroso e triste. O país continua em evidência e os fantasmas não se vão. Estamos diante da violência, da incapacidade para governar, da corrupção e da cumplicidade, diante de uma classe política oportunista, de cartéis brutalmente violentos e sem piedade, e diante de jovens que por falta de oportunidades optam pela vida curta e fácil, que vira sua maior esperança. Essa é nossa forma de vida, a qual agora se somam os 72 migrantes assassinados.

Javier Solórzano é colunista do ¿El Universal¿