Título: Tráfico desafia México com carros-bomba
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Fonte: O Globo, 28/08/2010, O Mundo, p. 42

Promotor que investiga chacina de imigrantes está desaparecido

RIO e CIDADE DO MÉXICO

Dizer que a insegurança vai terminar logo é irresponsável.

A constatação nada animadora, feita ontem pelo presidente do México, Felipe Calderón, parecia antecipar que o narcotráfico não pretende dar trégua e vai seguir desafiando sua política de repressão militar. No auge dos esforços para identificar os corpos de 72 imigrantes assassinados, as investigações da chacina de San Fernando sofreram um revés: o promotor Roberto Javier Suárez Vázquez, responsável pelo caso, desapareceu há dois dias junto com um guarda municipal.

Além das investigações conturbadas, dois carros-bomba explodiram em Ciudad Victoria, capital do estado de Tamaulipas (nordeste do México). E no balneário de Acapulco, no sul, mais 14 corpos foram encontrados junto com bilhetes endereçados a outro cartel, o Beltrán Leyva.

Na primeira hora da madrugada, o primeiro carro-bomba explodiu em frente aos estúdios da rede de televisão Televisa, no centro de Ciudad Victoria. Apenas 45 minutos após o ataque, um outro carro-bomba teria sido detonado junto a uma delegacia de trânsito da cidade. Ninguém ficou ferido, mas a perspectiva de uma nova modalidade de terror capaz de produzir estragos em maior escala alarmou as autoridades locais.

Em 5 de julho, a explosão de um veículo matou um policial federal e outras duas pessoas e, há apenas duas semanas, outro carro repleto de explosivos abalou o quartel-general da polícia de Ciudad Victória. O governador de Tamaulipas, Eugenio Hernández, admitiu estar perdendo o controle sobre partes do estado.

Desde fevereiro, quando Los Zetas e o Cartel do Golfo transformaram o estado num campo de batalha, as coisas se complicaram. (A violência) acontece e continuará, e não vejo agora algo que possamos fazer para que isso pare da noite para o dia disse Hernández à Rádio Fórmula.

Durante todo o dia soldados mexicanos fortemente armados fizeram buscas por novos cemitérios clandestinos nas zonas fronteiriças de Tamaulipas com o estado americano do Texas, com o apoio de helicópteros. As buscas revelaram dois novos cadáveres nos arredores de San Fernando.

Inicialmente, os oficiais pensaram tratarse do promotor desaparecido mas a informação foi negada.

Itamaraty não confirma identidade

Ontem de manhã, o cônsul-geral do Brasil no México, Márcio Araújo Lages, e o vice-cônsul, João Batista Zaidan, retornaram à capital mexicana sem conseguir identificar os supostos brasileiros entre as vítimas do massacre no norte do país. Os dois se juntaram a representantes de outros países envolvidos no caso Honduras, Equador, Guatemala e El Salvador numa reunião na Chancelaria do México para receber orientações. Segundo a conselheira Maria Aparecida Weiss, apenas um homem, aparentando cerca de 20 anos de idade, seria cidadão brasileiro. As autoridades mexicanas afirmam que haveria, com ele, algum tipo de identificação.

O inquérito recolheu os documentos, mas ainda não os encaminhou aos consulados. Não sabemos se é uma identidade, um passaporte, que tipo de identificação é essa. Portanto, ainda não podemos comprovar que o rapaz seja brasileiro. O nome, inclusive, não parece brasileiro, mas tem origens latinas explicou ao GLOBO a diplomata.

Segundo a imprensa mexicana, cinco peritos estaduais e federais estão envolvidos no lento trabalho de autópsia na cidade de Reynosa. Até o início da noite de ontem, segundo a Procuradoria de Tamaulipas, haviam sido identificados 31 mortos: 14 hondurenhos, 12 salvadorenhos, quatro guatemaltecos e o suposto brasileiro. A previsão para concluir o processo de identificação de todos, segundo o Itamaraty, é de cerca de 15 dias.

Pelo que as autoridades nos informaram, no mínimo, duas semanas deve durar todo o processo. Há uma série de exames laboratoriais que devem ser feitos, a conclusão de autópsias e laudos. Além disso, há também a parte de burocracia. Inicialmente a informação que nos foi transmitida é que eram quatro brasileiros. Ainda trabalhamos com esse dado disse à Agência Brasil o cônsul-geral no México, Márcio Araújo Lages.

Num novo indício de que o cartel Los Zetas está mesmo por trás dos assassinatos em San Fernando, o pai de uma das vítimas, Daniel Boche, da Guatemala, contou ao jornal El Universal ter recebido no fim de semana passado ligações de pessoas com sotaque mexicano. Nos telefonemas, homens diziam ter sequestrado seu filho e seus dois genros e o resgate a ser pago para libertá-los seria US$ 2 mil.

Recuperando-se em um hospital, o único sobrevivente da matança, o equatoriano Luis Freddy Lala Pomavilla, de 18 anos, testemunha sob proteção da Justiça do México, ganhou ontem um visto humanitário legalizando seu status no país. No Equador, sua família teria recebido ameaças de morte, e o governo de Quito determinou que a polícia garantisse a segurança no povoado de Ger, onde vivem os parentes. De acordo com o jornal El Comercio, a embaixada do Equador nos EUA também adotará medidas para proteger os pais do jovem, que vivem em Nova Jersey.

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, condenou a matança e defendeu uma luta coordenada contra o crime transnacional.