Título: O aumento da obesidade
Autor:
Fonte: O Globo, 28/08/2010, Opinião, p. 7

As medidas antropométricas obtidas pela Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 junto a mais de 190 mil pessoas de todas as idades trazem informações valiosas sobre o estado nutricional da população brasileira.

A comparação com inquéritos anteriores confirma o declínio da desnutrição infantil, observado desde a década de 1980, e ratifica sua aceleração na década de 2000, em particular nos estratos tradicionalmente mais afetados. É auspicioso constatar que o crescimento físico das crianças no Nordeste não mais se distingue do observado no Sudeste e que, em todas as regiões brasileiras, crianças que vivem nas áreas rurais crescem de forma semelhante às que vivem no meio urbano.

A mesma comparação com relação ao excesso de peso aponta quadro diverso. Em todas as idades, a partir de 5 anos, confirma-se a tendência de aumento acelerado do problema. Em crianças mais velhas e adolescentes, a frequência do excesso de peso, que vinha aumentando modestamente até o final dos anos 80, triplica nos últimos 20 anos, alcançando entre um quinto e um terço dos jovens. Em adultos, o excesso de peso aumenta continuamente desde meados da década de 70 e, no momento, é encontrado em cerca de metade dos brasileiros. Entre 2003 e 2009, a frequência de pessoas com excesso de peso aumentou em mais de um ponto percentual ao ano, indicando que, em cerca de dez anos, o excesso de peso poderia alcançar dois terços da população adulta do Brasil, magnitude idêntica à encontrada nos EUA.

Análises que realizamos sobre a tendência secular da desnutrição infantil indicam que o excepcional declínio do problema na década de 2000 ocorreu devido a melhorias no poder aquisitivo das famílias de menor renda, na escolaridade das mães e na cobertura de serviços básicos de saúde e saneamento. Tais melhorias decorreram de várias políticas públicas, incluindo a valorização do salário mínimo e programas de transferência de renda, a universalização do ensino fundamental e a expansão da Estratégia de Saúde da Família. A manutenção dessas políticas e o reforço de outras, como a expansão do saneamento, serão essenciais para que o problema da desnutrição infantil seja definitivamente resolvido no Brasil.

Na medida em que a obesidade expressa o desequilíbrio entre ingestão e utilização de calorias, a explicação para o aumento da frequência dessa condição deve ser procurada em mudanças nos padrões de alimentação e de atividade física. Pesquisas de orçamento familiar revelam tendência crescente de substituição de alimentos básicos e tradicionais na dieta como arroz, feijão e hortaliças por refrigerantes, biscoitos, carnes processadas e comida pronta, implicando aumento na densidade energética das refeições e padrões de alimentação capazes de comprometer a autorregulação do balanço energético e aumentar o risco de obesidade. Estudos indicam que o aumento discreto na prática de atividade física no lazer certamente não foi suficiente para se contrapor à redução do dispêndio energético nas atividades ocupacionais.

A OMS chama a atenção para o aumento explosivo da obesidade em todo o mundo e sobre as graves consequências para a saúde da população e para os custos dos serviços de saúde, deixando claro que o enfrentamento consequente do problema pelos governos nacionais requer políticas públicas e ações intersetoriais que vão além de informar e educar os indivíduos. Tais políticas devem, essencialmente, propiciar um ambiente que estimule, apoie e proteja padrões saudáveis de alimentação e de atividade física. Passos importantes nessa direção foram dados recentemente no Brasil com a integração entre o Programa Nacional de Alimentação Escolar e a produção local de alimentos e a agricultura familiar e com a resolução da Anvisa que, a partir de dezembro de 2010, regulamentará a publicidade de alimentos ultraprocessados com conteúdo excessivo de açúcar, sal ou gorduras prejudiciais à saúde.

Ainda assim, o aumento explosivo da obesidade em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras reclama a implementação de outros passos defendidos pela OMS, incluindo intervenções no espaço urbano para facilitar a prática regular de atividade física e políticas fiscais que aumentem o acesso da população a alimentos saudáveis como frutas e hortaliças e limitem o consumo de alimentos ultraprocessados.

CARLOS AUGUSTO MONTEIRO é médico e professor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.