Título: Apoio da oposição quase derruba Figueiredo do poder
Autor: Moreno, Jorge Bastos
Fonte: O Globo, 31/08/2010, O País, p. 11

Uma onda de atentados terroristas, logo nos primeiros anos do governo Figueiredo, matou, mutilou e feriu dezenas de inocentes, atingiu entidades civis, religiosas, redações, bancas de jornais e residências de políticos.

Dois desses episódios marcaram o governo Figueiredo: a bomba da OAB, que matou Lyda Monteiro, e o atentado do Riocentro.

O próprio presidente João Figueiredo, antes mesmo de assumir, já sabia que teria um governo de dificuldades, mas nunca nesse nível.

¿ Quando o presidente Geisel me disse que serei o presidente, eu ponderei que há fortes resistências contra mim dentro das próprias Forças Armadas ¿ disse-me o ainda chefe do SNI, ao revelar em entrevista exclusiva que seria o próximo presidente da República. Ao tomar conhecimento dessa entrevista, o então chefe do gabinete militar, Hugo Abreu, pediu demissão na hora. Ele integrava o grupo dissidente comandado pelo ministro do Exército, Sylvio Frota, mais tarde demitido por Geisel.

Já presidente, no auge dos atentados, Figueiredo, que tinha o apoio inquestionável do ministro do Exército, Walter Pires, recusou-se a dialogar com os chamados ¿bolsões radicais¿ das Forças Armadas. Pelo contrário, em discurso na cidade de Uberaba (MG), escreveu para a História uma frase de coragem, de um chefe de Nação:

¿ Dirijo-me aos facínoras ensandecidos para que atirem suas bombas sobre mim, mas parem de matar inocentes.

Figueiredo assumiu o governo devolvendo o sistema multipartidário, mas sem a legalização dos partidos proscritos. PMDB, PP, PT, PTB, PDT e PDS, inicialmente, foram criados da espinha dorsal do MDB e da Arena e com a reintegração dos retornados.

Ulysses Guimarães não era mais o chefe supremo da oposição brasileira. Dividia o trono com o seu já ex-amigo Tancredo Neves, com Lula, Brizola e Ivete Vargas. PDS tinha Sarney na presidência e Jarbas Passarinho na presidência do Senado

No atentado do Riocentro, as oposições, temerárias, resolveram, juntamente com a OAB e a ABI, se reunir com o PDS para manifestarem apoio a Figueiredo. Divulgariam a nota de solidariedade que levariam ao Palácio, por sugestão de Brizola.

Pouco antes da reunião, Tancredo Neves simplesmente tinha desaparecido. Eu estava de olho nele. Ele estava agitado, conversando muito com Passarinho. Já o encontrei a caminho da reunião, numa das dependências do Senado. Com Tancredo era assim, a gente tinha que fingir de desinteressado para não ter a conversa abruptamente interrompida. Cheguei para ele e fiz a pergunta mais idiota do mundo. E ele me deu resposta igual.

-¿ É a primeira vez que o senhor vai se reunir com Lula?

¿ Talvez já tenha me encontrado com ele antes e não esteja associando o nome à pessoa. Pergunta logo o que você quer perguntar.

¿ Por que o senhor está nervoso?

¿ Sempre há um Neves no meio das nossas grandes tragédias. Minha neta Andreia foi quem socorreu outro militar, e estou preocupado.

Foi aí que ele me confidenciou ter recebido uma mensagem de Figueiredo dizendo que, se as oposições atravessassem a rua, o governo cairia e os dirigentes partidários não voltariam ao Congresso, que seria fechado.

Quem acabou levando a solidariedade foram Jarbas Passarinho, a dos líderes do Senado, e, Sarney, a dos presidentes dos partidos. E, mesmo assim, numa atitude surpreendente para quem não acompanha o episódio, Figueiredo recusou publicamente a solidariedade da oposição, reafirmando o comando diante da situação.

Dez anos depois, em depoimento a Cristiana Lobo e a mim, publicado no GLOBO, Passarinho contou detalhes daquele momento:

¿(...) Quando ele me trouxe até a porta, vi que ele estava lacrimejando. Eu nunca temi que a conspiração militar derrubasse o Figueiredo porque ele tinha um ministro do Exército mais fiel que todos os presidentes tiveram: o general Walter Pires. Havia organizações clandestinas, entre elas o `Centelha¿, que surgiram em reação ao processo de abertura e ao retorno de exilados?¿.