Título: Morte em greve de fome contra Chávez
Autor:
Fonte: O Globo, 01/09/2010, O Mundo, p. 34

Agricultor venezuelano fazia protesto exigindo a revisão da expropriação de suas terras pelo governo

BRITO EM hospital militar de Caracas: agricultor foi levado à força por autoridades à unidade. Abatida figura de ativista se tornou símbolo na luta da oposição do governo de Hugo Chávez

CARACAS. Numa briga que vinha se arrastando há pelo menos cinco anos, o agricultor venezuelano Franklin Brito morreu na segunda-feira depois de manter por meses uma de oito greves de fome para exigir do governo de Hugo Chávez a revisão da expropriação de suas terras. A morte poderia afetar o líder num momento de campanha para a eleição legislativa de 26 de setembro, na qual Chávez espera conservar dois terços do Parlamento para poder continuar com seu projeto socialista.

A abatida figura de Brito, de 49 anos, tornou-se um símbolo para os opositores de Chávez, que se somaram à família do venezuelano para acusar o governo de violar os direitos do ativista. A propriedade dele, de 24 hectares, no estado de Bolívar, fora tomada em 2003 ¿ parte dos cerca de 2,5 milhões de hectares expropriados nos últimos anos. Em dezembro, Brito suspendeu a greve por uma semana, após o governo ter proposto devolver suas terras, mas retomou o protesto depois, dizendo que a expropriação não havia sido formalmente revogada.

¿O esgotado corpo de Franklin Brito deixou de respirar¿, disse a família em nota. ¿Franklin vive na luta do povo venezuelano pelo direito à propriedade, o acesso à Justiça, à vida em liberdade e pelo respeito dos governos aos direitos humanos¿.

Brito passou os últimos meses internado no Hospital Militar Carlos Arbelo. Ele foi levado à unidade à força pelas autoridades, que o retiraram de um protesto em frente à Organização dos Estados Americanos. O governo contesta a versão do venezuelano e afirma que as autoridades agiram de forma correta, alegando que o levaram ao hospital para preservar a sua vida. Mas ativistas de direitos humanos condenaram a atuação.

¿ A morte de Franklin Brito é consequência da intransigência, da maneira prepotente que está sendo governada a Venezuela, e da ausência de diálogo para resolver conflitos ¿ disse Marino Alvarado, do grupo Provea.

Ao expressar, em nome da Alternativa Democrática, sua solidariedade pela morte do agricultor, a coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do bloco opositor Mesa da Unidade, Delsa Solórzano, disse que Brito ¿faleceu como vítima das desastrosas políticas agrárias do governo.¿ Através de um comunicado, ela afirmou que o caso mostra a responsabilidade direta do governo, além de demonstrar que o direito ao protesto no país se tornou um crime: ¿Brito escolheu a greve de fome para tratar de fazer valer seus direitos e, em vez de ser escutado pelo governo e suas instituições, foi reprimido e submetido à jurisdição de um tribunal penal, como se estivesse cometendo crime.¿

Fariñas acusa governo venezuelano de assassinato

Mas o ministro do Poder Popular para a Agricultura e Terras, Juan Carlos Loyo, garantiu na segunda-feira que o agricultor sempre teve o apoio do governo, e afirmou que as propriedades de Brito nunca foram expropriadas ¿como disseram os meios de comunicação privados¿.

O também presidente do Instituto Nacional de Terras (INTI) considerou que o agricultor estava ¿consciente de que seu caso estava sendo usado pela oposição para fins políticos¿ e que isso havia ¿colocado em risco a sua vida¿.

O ativista estava em coma induzido desde sexta-feira e apresentava infecção generalizada e pneumonia. Sua morte também repercutiu em Cuba. O dissidente Guillermo Fariñas, que manteve uma greve de fome de 135 dias, responsabilizou Hugo Chávez pela morte do agricultor. O cubano afirmou que sabia do caso e que recebeu ligações de Brito durante seu protesto.

¿ Infelizmente, acordei com a notícia hoje (ontem). Conheci Franklin, ele me ligou duas vezes para o hospital quando eu estava em greve. Era uma pessoa muito boa e muito solidária. É um assassinato do governo Chávez ¿ disse Fariñas.

Chávez iniciou em 2001 uma reforma agrária fortemente rejeitada por adversários. As autoridades garantem que esperam reforçar a produção de alimentos e ajudar os sem-terra, mas críticos dizem que o governo controla granjas que funcionam bem, e isso acaba atrapalhando a produção de alimentos.