Título: Telefonia no topo dos desafios
Autor: Casemiro, Luciana; Setti, Rennan
Fonte: O Globo, 01/09/2010, Economia, p. 32

Às vésperas dos 20 anos do Código de Defesa do Consumidor, especialistas apontam problemas do setor

RAFAEL CONRADO tem três celulares e sete reclamações à coluna este ano: problemas com desbloqueio, cobranças indevidas e contrato

¿O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma jabuticaba¿. A definição de Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça (MJ), usa a figura da fruta tipicamente brasileira para ressaltar a singularidade da lei que no dia 11 de setembro completa 20 anos, inspirando legislações mundo afora. Analisar o caminho percorrido e pensar as próximas décadas da defesa do consumidor é a proposta da série de reportagens desta seção, iniciada hoje e que se estenderá até o fim do mês.

¿ Há 20 anos, quem reclamava era chato. Agora tem-se o entendimento de que foi a reclamação desses consumidores que ajudou a construir o hoje. Foram grandes avanços na proteção de direitos dos consumidores, construídos pari passu com a cidadania. O amanhã traz novos desafios, e por isso é preciso exercer nossos direitos e ser vigilantes sempre ¿ diz Morishita.

E quando se fala em pontos a avançar na garantia de direitos, o setor de telefonia logo vem à cabeça. Há cinco anos, o setor se mantém no topo do ranking de reclamações do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que reúne as queixas, não solucionadas, registradas em Procons de 23 estados e mais o do Distrito Federal.

Na avaliação de Robson Campos, diretor de Atendimento do Procon-SP, nos últimos 20 anos os problemas vêm se repetindo nesse segmento, principalmente quando se fala em cobrança indevida, contratos e prestação de serviço diferente do ofertado:

¿ Novos problemas têm se inserido no rol da telefonia, num ritmo maior do que a solução dos antigos ¿ afirma Campos, que divide o setor em antes e depois da privatização. ¿ Antes da privatização tínhamos uma restrição do acesso à telefonia, com espera por longos anos, preços altos e até atravessadores. No entanto, a privatização não trouxe a prometida universalização da telefonia fixa, em boa parte pelo custo continuar alto e pela cobrança de assinatura básica. Se o serviço se expandiu, os problemas de qualidade se multiplicaram.

Para especialista, origem dos problemas está na privatização

Na avaliação de Virgílio Freire, consultor em telecomunicações, ex-presidente da Vésper e da Lucent, a origem do problema está na forma como foi feita a privatização:

¿ Países como Inglaterra e Estados Unidos fizeram a privatização pulverizando ações na bolsa. Como o acionista é o cidadão, a gestão é feita buscando o melhor para o povo. Aqui o governo optou por concentrar a venda e não criou mecanismos de regulação eficiente. De lá para cá a fiscalização e a regulação só pioraram. E a tendência é ficar ainda pior, principalmente pela convergência das tecnologias. O orçamento e o quadro de funcionários da Anatel não dão conta do setor.

A visão de Cesar Rômulo Silveira Neto, secretário- geral da Telebrasil ¿ Associação Brasileira de Telecomunicações, é muito diferente da de Freire e dos especialistas em defesa do consumidor. Ele critica a forma de divulgação dos números pelo DPDC, por não haver ponderação entre as queixas e a base de clientes:

¿ Pelos números do DPDC, entre 1º de dezembro de 2008 e 30 de novembro de 2009, temos 639 reclamações por mês, o que equivale a três demandas por milhão de usuários. O que é muito pouco. Não temos dúvidas de que prestamos o melhor serviço público do país. Entendemos que a satisfação é gigantesca.

A avaliação dos consumidores que escrevem a esta seção, no entanto, não bate com a de César Rômulo. Recordista de queixas sobre telefonia na Defesa do Consumidor este ano ¿ com oito reclamações contra Claro, Oi e TIM ¿, Eduardo de Carvalho Abreu acha que a qualidade dos serviços piorou:

¿ Acho que o atendimento das operadoras melhorou, mas o serviço em si está cada vez pior.

Professor de sociologia, Rafael Conrado adora celulares ¿ tem três ¿ mas detesta a qualidade do serviço. Só este ano, enviou sete queixas à seção, contra Claro, TIM e Vivo:

¿ Já enfrentei problemas com desbloqueio, cobranças indevidas e descumprimento do contrato por parte das operadoras. Reclamar aos call centers e à Anatel não adianta. Sinto falta de um controle de qualidade maior.

Consultada, a Anatel afirmou que não teria um porta-voz para comentar o assunto.

Último avanço: definição de celular como produto essencial

Nos últimos dois anos, a Lei do SAC foi um marco. Da mesma forma, a união do DPDC aos Procons para processar operadoras que a desrespeitavam, com uma possibilidade de multa da ordem de R$300 milhões. A última conquista foi a definição do celular como produto essencial, destaca Campos, do Procon-SP, o que garante a troca imediata ou a devolução do dinheiro em caso de aparelho com defeito. Isso porque os fabricantes de aparelhos celulares já são maiores motivadores de reclamações no Sindec.

Segundo Ellen Gonçalves, vice-diretora do grupo de telecomunicações da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a quantidade de queixas vem diminuindo, enquanto o número de aparelhos vem aumentando. Ela afirma que, em 2009, as queixas representaram apenas 0,05% dos celulares vendidos.

¿ A prova de que os fabricantes estão dispostos a melhorar essa relação é a criação, em maio, do código de autorregulamentação dos produtores de celulares. Em 2010, as reclamações deverão cair como fruto dos investimentos das empresas no pós-venda.

Tanto Abinee quanto Telebrasil entendem que o maior desafio é a informação ao consumidor diante do avanço tecnológico. O Procon-SP concorda, mas vai mais além:

¿ As práticas comerciais, principalmente na fase pré-contratual, precisam se basear no CDC, na hora da oferta, da elaboração da publicidade. Não tem fórmula mágica.

Já as empresas dizem que investem em tecnologia e treinamento de pessoal. A Claro destacou que ¿se comprometeu proativamente junto ao DPDC e já registrou melhorias significativas desde que a pesquisa foi iniciada¿. A Oi ressaltou que atuou na implementação de reivindicações dos consumidores, como universalização da telefonia fixa, expansão da móvel, mudança na cobrança de pulsos para minutos, detalhamento de contas e portabilidade.

A TIM informou que o número de queixas pelo call center, no segundo trimestre deste ano ,caiu 40%, em relação ao mesmo período de 2009. A operadora lembrou também que fez acordos para redução de reclamações fundamentadas com o DPDC e o Procon-SP. A Vivo ressaltou o fato de ser a operadora com melhor posição no ranking de atendimento da Anatel.