Título: Um passado que entrou para a história
Autor: Mello, Paulo Thiago de
Fonte: O Globo, 01/09/2010, Economia, p. 30

Reforma gráfica nos anos 50 e criação do Caderno B influenciaram a imprensa e puseram o Rio no centro do país

CAPAS DO Caderno B, como a que saudou a chegada de De Gaulle ao Brasil (à esquerda), inovaram na diagramação. Ao lado, suplemento dominical da década de 50 sobre o neoconcretismo

Impulsionado pelos bons ventos do pós-Guerra, o Brasil entrava nos anos 50 apostando na prosperidade. Nesse clima de euforia, os poetas concretos abalaram as estruturas da literatura, decretando o fim do poema, ao mesmo tempo em que soavam os primeiros acordes dissonantes da Bossa Nova. Nas telas, filmes do Cinema Novo. Nos anos 50, com Juscelino Kubitschek na Presidência, o ¿Jornal do Brasil¿ lançou o Suplemento Dominical (1956), criado pelo poeta Reynaldo Jardim e que se transformaria no embrião do futuro Caderno B, quatro anos depois. Além de Jardim, nomes como Ferreira Gullar, Mário Faustino, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Mário Pedrosa tiveram forte influência no Suplemento Dominical. Em 1959, fazia a sua reforma gráfica.

¿ O ¿JB¿ já chamava a atenção e prestígio intelectual, com o seu Suplemento Dominical, que trouxe uma nova noção estética concretista, misturando artes plásticas, literatura, ciência. No aspecto gráfico, Amílcar de Castro eliminou os fios, implantando a diagramação vertical e valorizando os espaços brancos das páginas ¿ lembra Wilson Figueiredo, colunista do jornal.

No suplemento cultural, liberdade de estilos

De fato, mais uma vez o ¿JB¿ lançava moda. O Caderno B foi o primeiro suplemento exclusivamente voltado para assuntos culturais, de entretenimento e variedades, pondo o Rio numa caixa de ressonância nacional. Mas a inovação do Caderno B não se restringia à forma gráfica. Os repórteres e colaboradores do suplemento tinham liberdade estilística em suas narrativas, dispensando os padrões de objetividade do texto jornalístico. Um dos nomes de destaque era Wilson Coutinho, crítico de arte. Além disso, o caderno aceitava colaboração de escritores, artistas e intelectuais.

¿ A reforma de 59 foi a mais duradoura da imprensa brasileira. Inspirada em padrões estéticos criativos, como o concretismo, antecipou tendências. Uma revolução no design, que inspirou os jornais sem fios ¿ afirma Alberto Dines, do Observatório da Imprensa e ex-diretor de redação do ¿JB¿.

A diagramação ousada do ¿JB¿ tinha no Caderno B um de seus espaços privilegiados. Várias capas do suplemento entraram para a história do jornalismo brasileiro por seu arrojo. O destaque dado a fotos, ilustrações e infográficos, além da valorização de espaços em branco na página, realçava as reportagens.

Em entrevista ao ¿Jornal da ABI¿, o jornalista Carlos Lemos, então na editoria de Esportes, lembra que foi o primeiro a retirar os fios da diagramação, ideia de Amílcar de Castro, mas que ainda não havia sido implementada:

¿O Amílcar defendia tirar os fios que separavam as colunas do jornal. Foi a brecha que eu tive para imprimir minha mudança. Fui à oficina, pedi para aumentar a medida entre as colunas e tirar os fios, responsabilizando-me por qualquer problema que acontecesse.¿

A importância do ¿JB¿ não se restringiu ao Rio de Janeiro. Apesar da transferência da capital federal para Brasília, o Rio continuava dando o tom na vida cultural e política do país e o jornal era um veículo que formava opinião, sendo lido religiosamente pelas classes política e artística e a intelectualidade.

Perda de credibilidade foi o golpe de misericórdia

Flavio Pinheiro, ex-editor-executivo, lembra que o ¿JB¿ promoveu outras inovações na imprensa brasileira:

¿ Criou a primeira revista dominical, uma revista de programação de fim de semana, o caderno Idéias, o espaço para humor ¿ enumera. O espaço dado à charge de Chico Caruso era um desses exemplos.

Mas, quando a capital fluminense entrou em processo de degradação, o ¿JB¿, com problemas financeiros, acompanhou e também começou a perder prestígio, lembra Pinheiro:

¿ Quando, anos atrás, morreu o grande jornal, morreu mais um pouco a altivez republicana e a presunção cosmopolita do Rio.

¿ A importância do ¿JB¿ foi imensa. Contando só os anos do jornal que vivi ou conheci, de meados dos anos 50 e aos anos 90, acho que todo jornal no Brasil queria de certa maneira ser o ¿JB¿. Mas isso passou há muito tempo. Ele é um jornal que se limitou a sobreviver nas últimas décadas. Cada vez que ele fazia um esforço para melhorar, ficava mais parecido com os outros jornais, porque sua fórmula original estava esquecida ¿ afirma Marcos Sá Corrêa, ex-editor-chefe do ¿Jornal do Brasil¿.

Para alguns profissionais, no entanto, a crise acabou por afetar o principal patrimônio do ¿JB¿: a sua credibilidade.

¿ Antes da venda da empresa, mesmo com todos os problemas de gestão, o jornal tinha credibilidade, que sempre foi seu ativo mais precioso. Os novos donos não conseguiram ou não quiseram entender isso. A venda foi um golpe forte na credibilidade da marca, e depois dela a morte do jornal nas bancas tornou-se uma questão de tempo ¿ diz Orivaldo Perin, ex-chefe de redação do jornal. ¿ É uma morte ruim para todos, principalmente para os leitores. Em vez de fazer história, o ¿JB¿ vira história.

COLABOROU Bruno Rosa