Título: Ajuste se impõe no debate eleitoral
Autor:
Fonte: O Globo, 01/09/2010, Opinião, p. 6

Nenhum governo gosta de patrocinar medidas de ajuste fiscal, por mais razões que tenha para adotá-las.

Muito menos candidato em campanha.

Eleição é tempo de oferecer futuro de abundância e criticar adversário. E se o candidato vem de um governo onde os gastos subiram lépidos, e a população usufrui de um clima de bem-estar característico dos ciclos de crescimento econômico e de cofres públicos escancarados, aí mesmo que falar em austeridade é mais do que uma heresia. Chega a ser crime de lesa-pátria.

Entendem-se, portanto, os desmentidos formais dados pelo governo Lula à notícia, publicada pelo GLOBO, de que se encontra nas pranchetas oficiais um anteprojeto de reforma da Previdência, a ser apresentado ao Congresso por Dilma Rousseff, caso seja vitoriosa em outubro. Aproveitaria o chamado capital político acumulado com a vitória e começaria a queimá-lo em questões estratégicas. Sem dúvida, a tendência inexorável a déficits, já bilionários, crescentes torna o sistema previdenciário ponto-chave na agenda de qualquer um que venha a subir a rampa do Planalto no dia 1ode janeiro. Juntas, a previdência dos assalariados da iniciativa privada (INSS) e a dos servidores públicos dragam cerca de R$ 100 bilhões anuais do Tesouro, para conseguir fechar as contas. Com uma distorção perversa: a previdência dos servidores, com um déficit estimado para este ano de R$ 48,5 bilhões, abriga pouco menos de 1 milhão de pessoas, enquanto no INSS, onde haverá em 2010 um rombo de R$ 45,7 bilhões, se acotovelam 24 milhões de segurados.

Na entrevista que Dilma concedeu na noite de segunda-feira à bancada do Jornal da Globo, William Waack e Christiane Pelajo, ficou visível a dificuldade da candidata ao abordar a questão fiscal, em que a Previdência é item de peso. Ajuste fiscal é termo que a candidata rejeita com veemência.

Mas, reconheça-se, ela defende o controle dos gastos.

É tudo uma questão de semântica, condicionada pelo embate eleitoral. O fato é que, se o próximo governo desejar aumentar os esquálidos investimentos públicos, como é imprescindível, os gastos em custeio não podem continuar inchando na velocidade verificada na era Lula, principalmente no segundo mandato. Enquanto o total dessas despesas aumentou, de 2002 a 2009, substanciais 2,4 pontos do PIB, os investimentos públicos, no mesmo período, passaram de 0,83% para 1,02% do PIB, ou insuficiente 0,19 ponto. Explica-se a precariedade das estradas federais, por exemplo. Como a carga tributária bate nas nuvens (36% do PIB, recorde absoluto no bloco das economias emergentes), todas as indicações racionais levam a uma política de contenção de gastos.

Pode-se chamá-la de ajuste ou de qualquer outro nome. Mas reduzir a velocidade de expansão das despesas será essencial. Economistas até não veem necessidade de medidas heroicas. Basta fazer com que esses gastos cresçam menos que o PIB. Como os servidores foram bastante beneficiados com generosos reajustes reais, bem como o salário mínimo, o próximo governo poderá fazer a política fiscal sensata sem precisar abrir qualquer saco de maldades. E ainda propor uma reforma da Previdência, como noticiado, para a nova geração de servidores e assalariados, o que pelo menos sinalizará para o controle das contas públicas a longo prazo. Mas ninguém vai falar sobre o assunto de maneira aberta em campanha eleitoral.