Título: Capitalização pode ser questionada na Justiça
Autor: Ribeiro, Fabiana; Carneiro, Lucianne
Fonte: O Globo, 02/09/2010, Economia, p. 26
INJEÇÃO ESTATAL: Abuso de poder por parte da União está entre argumentos que poderiam ser usados em ações
Analistas veem risco de processos de acionistas minoritários e até da população, que atrasariam a operação
A capitalização da Petrobras ocorre em meio a um clima de insegurança jurídica. Segundo especialistas, a operação pode ser questionada por acionistas minoritários e até mesmo pela população, o que poderia levar a seu adiamento. O abuso de poder do acionista controlador - no caso a União - e os danos para o acionista minoritário estão entre os argumentos que poderiam ser usados em processos junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Justiça.
A principal questão é que o governo vai capitalizar a Petrobras cedendo à estatal o direito de explorar até cinco bilhões de barris de petróleo do pré-sal. Em troca, receberá, em valor equivalente, ações a serem emitidas pela Petrobras. O valor médio anunciado ontem foi de US$8,51 por barril, o que resultaria num aporte de até R$75 bilhões. Para analistas, o valor beneficia a União e prejudica minoritários, por elevar a participação do Estado e diluir a dos pequenos acionistas.
Segundo o superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Edison Garcia, isso pode gerar uma interpretação de que as condições de contrato não serão necessariamente equitativas, o que é exigido no caso de contrato entre partes relacionadas (a União, proprietária dos barris, também é controladora da Petrobras).
Garcia destaca que o artigo 117 da Lei das S/A prevê que o acionista controlador responda por danos causados por atos praticados por abuso de poder. E isso poderia ser considerado no caso da capitalização.
- Qualquer acionista que se considerar lesado pode vir a reclamar na CVM por abuso de poder do controlador ou considerar a hipótese de diluição injustificada, caso se caracterize o princípio de que a operação é para diluir o minoritário.
Outra hipótese, segundo Garcia, é que o acionista minoritário peça a anulação da capitalização ou peça ressarcimento por danos. Nestes casos, seriam processos na Justiça.
Para Leandro Brandão, sócio do escritório Pimentel, Brandão e Barros, é possível questionar ainda a própria Medida Provisória (MP) 500, que libera a entrada do Fundo Soberano do Brasil (FSB) e outros entes federais na operação.
- Cabe o questionamento constitucional contra o uso de MP nesta operação.
"Novo papel da Petrobras é bênção ou maldição?"
Na avaliação de Marilda Rosado, sócia do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados, o processo de capitalização da Petrobras traz vulnerabilidades que podem ser questionadas na Justiça, e isso ainda que formalidades estejam sendo cumpridas.
- Ao se sentirem lesados, acionistas minoritários podem questionar no Judiciário esse modelo de sociedade de economia mista. E a capitalização também pode gerar ações populares, se o povo não concordar com a operação.
Segundo ela, o cenário de incertezas pode, inclusive, retardar a capitalização.
- As divergências ainda não foram resolvidas. E todo esse processo leva a um questionamento: será que esse novo papel da Petrobras é uma bênção ou uma maldição? - questiona a advogada, que também é professora de Direito do Petróleo na Uerj.