Título: O eleitor e o investimento público
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Fonte: O Globo, 03/09/2010, Opinião, p. 6
Por que trabalhadores das maiores áreas metropolitanas do país ainda têm de gastar de três a quatro horas por dia nos deslocamentos entre casa e local de trabalho? Por que mais de 50% dos domicílios do país ainda não dispõem de saneamento básico adequado e, com frequência, se defrontam com valas de esgoto a céu aberto? São indagações pertinentes que muitos eleitores hoje se fazem. A resposta oficial é bem conhecida. Embora o governo reconheça a importância crucial desses problemas, é preciso paciência. Investimentos em saneamento e transporte de massa são dispendiosos. Para resolver de vez a carência de saneamento no país, por exemplo, estima-se que seriam necessários R$270 bilhões. Os avanços, portanto, terão de ser paulatinos, porque os recursos de que dispõe o governo são escassos. Em que medida têm sido de fato escassos?
Nos últimos 24 meses o governo federal mobilizou nada menos que R$283 bilhões de recursos extraorçamentários para financiamento de investimentos. Algo em torno de 8% do PIB. Cerca de R$208 bilhões, provenientes da emissão de dívida pública pelo Tesouro, foram entregues ao BNDES. E reservas de petróleo de propriedade da União, avaliadas em cerca de R$75 bilhões, estão prestes a ser transferidas à Petrobras.
Por que a empresa será agraciada com R$75 bilhões de dinheiro público, por meio de cessão onerosa de jazidas de cinco bilhões de barris de petróleo que, em princípio, deveriam ter sido objeto de licitação com geração de receita para o Tesouro? Simplesmente porque o governo não conseguiu conter seu cacoete estatista e resolveu conceder privilégios especiais à empresa no pré-sal, fechando os olhos para o fato de que mais de 60% de seu capital pertencem a acionistas privados. Em vez de deixar que a Petrobras, com todo seu potencial, competisse livremente com empresas privadas na exploração do pré-sal, na medida de suas possibilidades, decidiu atribuir à empresa o monopólio da operação nos campos do pré-sal e exigir que detenha pelo menos 30% de cada consórcio que vier a explorar tais campos. A justificativa, um tanto delirante, é que, só assim, a Petrobras poderá alcançar a escala requerida para cumprir a "missão" de desenvolver a indústria de equipamentos para o setor petrolífero.
Tudo isso, claro, deixou a Petrobras com encargos de investimento muito mais pesados. E, não bastasse tal sobrecarga que, por si só, já seria suficiente para exaurir a capacidade de financiamento da empresa, o governo decidiu também empurrar-lhe, goela abaixo, a construção de refinarias no Nordeste que, embora não façam sentido do ponto de vista econômico-financeiro, se transformaram em promessas de campanha na eleição presidencial. Só uma dessas refinarias vai custar a bagatela de R$23 bilhões. A conta de todos os caprichos eleitoreiros e cacoetes estatistas - incluindo o monopólio de operação, o mínimo de 30% de cada consórcio e a "missão" de desenvolver a indústria de equipamentos - vai exigir que a empresa recorra a colossal aumento de capital, no qual o aporte esperado do governo é de nada menos que R$75 bilhões.
Já no BNDES, o clima é de euforia. A instituição está nadando em recursos do Tesouro. Não tem mãos a medir, tantos são os projetos - em boa parte de grandes empresas - que considera merecedores de crédito subsidiado de longo prazo. O banco está às voltas com vultoso programa de redução da concorrência em certos setores para a formação de campeões nacionais. E também com o trem-bala, a viabilização da expansão da oferta de energia elétrica a preços artificialmente baixos, a ressuscitação da Telebrás, a internacionalização da Eletrobras e, claro, o financiamento de grandes projetos da própria Petrobras.
Mas, afinal, que parte desses R$283 bilhões de dinheiro público pôde ser destinada a investimentos em saneamento e transporte de massa? Na verdade, uma parcela diminuta. O governo, como se viu, tinha outras prioridades. O eleitor há de compreender. Dessa vez, foi o que deu para fazer. Mas, quem sabe, no próximo mandato...
ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é economista e professor da PUC-Rio.