Título: Ele fez um discurso do século passado, da Guerra Fria
Autor:
Fonte: O Globo, 04/09/2010, O Mundo, p. 30

YOANI SÁNCHEZ

Blogueira e uma das vozes mais fortes da oposição em Cuba, a jornalista Yoani Sánchez acredita que o discurso de Fidel Castro mais serviu para atrair a atenção da mídia internacional do que o povo da ilha. Para ela, o ex-presidente procura recuperar os quatro anos em que esteve afastado para ocupar o espaço quase onipresente que tinha antes de sua doença o tirar do poder.

Christine Lages

Como a oposição vê este primeiro discurso após quatro anos?

YOANI SÁNCHEZ: Ele fez o discurso num lugar muito simbólico. Apesar de falar a um público de menos de 30 anos, fez um discurso do século passado, da Guerra Fria, que não dá soluções e só anuncia desastres. Não somente os opositores, mas a maioria dos cubanos sequer ligou a TV. Porque os problemas cotidianos são tantos, as desigualdades são tão grandes, que sintonizar o televisor para ouví-lo anunciar desastres não é algo que os cubanos estão dispostos a escutar outra vez.

É uma versão mais light de Fidel ou uma tentativa de gerar mais impacto?

SÁNCHEZ: Há o desejo de desviar a atenção dos problemas internos e de fazer com que os meios internacionais reparem nele, se recordem que passou quatro anos praticamente sem fazer aparição pública. Ele quer recuperar o tempo perdido.

Você acha que ele ainda pode retornar ao poder?

SÁNCHEZ: Me dá a impressão de que ele tem o desejo de voltar a tomar o controle. Não sei se sua saúde e mente estão preparados para isso. Sem dúvida alguma, suas aparições estão cada vez mais frequentes, e sua intromissão nos espaços públicos da TV é um sinal inequívoco de que quer retomar, ao menos, a presença, o espaço quase onipresente que tinha antes de sua doença o tirar do poder em julho de 2006.

O que mais te surpreendeu no discurso?

SÁNCHEZ: Teve um momento em que ele falava da possível guerra entre Estados Unidos e Irã, quando mencionou a URSS como se ela existisse ainda. Falou da posição que a URSS tomaria no conflito. Acho que isso é muito significativo, porque é como se Fidel Castro estivesse preso nos anos 70 e 80, quando a União Soviética era um conglomerado de nações que decidia e tomava posições fortes. Acredito que é um indicador do tempo em que ele realmente está vivendo.

Há um significado no uso do uniforme?

SÁNCHEZ:Há uma semana, ele apareceu com sua jaqueta verde-oliva. E hoje (ontem) apareceu não somente com sua jaqueta, mas também com seu quepe. No entanto, não usou até agora suas patentes militares. O importante é que, até o momento, ele não usa sobre seus ombros a insígnia de comandante em chefe.

Qual foi o objetivo de Fidel ao assumir a culpa pela perseguição aos gays?

SÁNCHEZ: A entrevista que Fidel deu ao jornal do México, acho que é interessante porque foi a primeira referência nacional que ele fez em muitos meses. De todas as formas, ele reconhece a culpa por não ter estado atento, o que é a menor das culpas possíveis. Ele não se considerava um sensor e um executor da repressão, e se fazia de uma pessoa distraída que estava olhando para o outro lado. E acho que essa é a maneira menos responsável de assumir uma responsabilidade.