Título: Desejo que, assim como o corpo, sua alma melhore
Autor:
Fonte: O Globo, 04/09/2010, O Mundo, p. 30

HILDA MOLINA

BUENOS AIRES. Há pouco mais de um ano, a médica cubana Hilda Molina chegou a Buenos Aires para reencontrar-se com seu único filho e conhecer dois netos, após vários anos de luta para conseguir sair da ilha. Ontem, como a maioria de seus compatriotas, Hilda, de 66 anos, acompanhou o primeiro discurso do ex-presidente de Cuba, e depois deu ao GLOBO esta entrevista.

Janaína Figueiredo

Qual é sua opinião sobre o discurso de hoje (ontem)?

HILDA MOLINA: Primeiro, quero dizer que fico muito feliz e satisfeita pela recuperação da saúde de Fidel. Independentemente de tudo o que ele fez contra minha família, do sofrimento, a morte de uma pessoa não resolveria os problemas de Cuba. Digo isso de coração e também desejo que assim como seu corpo está melhor, sua alma também tenha melhorado.

A senhora ouviu o discurso?

MOLINA: Sim e fiquei ingratamente surpresa. Com toda a pobreza que temos em nosso país, a falta de liberdades, o desespero em que vive nossa população ainda calada, não entendo como um ex-presidente que ainda tem muito poder pode estar preocupado com países como Irã e Coreia do Norte, defendendo ditaduras. Como é possível que uma pessoa que despertou tantas esperanças num povo que está silenciado há tantos anos não fale sobre os dramas nacionais? Provocou-me profunda indignação. Ele e Raúl (Castro) deveriam estar mais preocupados em construir uma Cuba para os cubanos e não para os estrangeiros.

A senhora continua em contato com pessoas que vivem em Cuba?

MOLINA: Claro e sei de suas necessidades. Enquanto nosso povo sofre, Fidel se mete em questões alheias a nosso país. Fala na preparação de uma guerra nuclear, usa sua linguagem apocalíptica. Tudo isso está muito distante da tragédia cubana.

A senhora se refere à falta de liberdades no país?

MOLINA: Sim, a falta de liberdades, de direitos. Não queremos mais ser cidadãos de última categoria em nosso próprio país. Hoje, o turismo em Cuba é para os estrangeiros e não para os cubanos. A possibilidade de realizar investimentos é para os estrangeiros e não para os cubanos. O cúmulo, que provocou meu afastamento da revolução, é que os estrangeiros também têm prioridades no acesso à saúde. Afinal, para quem é Cuba? Para os estrangeiros e muitas vezes são estrangeiros aventureiros, que chegam a nosso país em busca de mão de obra escrava e isso é muito triste.

A senhora chegou à Argentina em agosto do ano passado. Já sabe quando retornará à Cuba?

MOLINA: Vou voltar, nunca quis viver fora de meu país. Mas meus seres queridos estão aqui e minha mãe tem 91 anos e uma saúde delicada. Mas que fique bem claro: apesar de minhas divergências com o governo, não vou exercer a medicina em nenhum outro país, somente em Cuba. Mas em meu país quero trabalhar para os cubanos e não para os estrangeiros.

Por que a senhora acha que Fidel defendeu outros países e não falou muito sobre a situação cubana?

MOLINA: É difícil entender. O governo cubano é amigo de ditaduras. É uma pena, porque os cubanos acreditaram e sonharam com a revolução. Hoje não existem mais sonhos, apenas uma profunda desilusão.