Título: A alta do PIB
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 04/09/2010, Economia, p. 24

A controvérsia sobre juros e PIB continua, mas é uma discussão sem sentido. Ontem, quando o número do PIB do segundo trimestre deu 1,2%, de novo houve avaliações no mercado de que o Banco Central se precipitou ao interromper a alta dos juros, porque a média do mercado era uma previsão um pouco menor. Aqui, demos que seria 1% de alta e o resultado não foi surpresa.

Muitas instituições financeiras tinham previsto 0,5%, ou 0,4%, até 0,7%. Uma minoria achava que podia ser acima disso. O raciocínio que fizeram ontem, diante do número divulgado pelo IBGE, é que se a economia está crescendo mais do que o imaginado isso será inflacionário. Então, o Banco Central teria se precipitado ao manter a taxa Selic estável em 10,75% na última quarta-feira.

Tem gente no mercado procurando pêlo em ovo. O Banco Central não está agindo politicamente, por mais que tenha vindo a calhar para a candidatura oficial essa interrupção exatamente a um mês das eleições. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deu uma coletiva explicando que o 1,2% que parece forte na verdade é fruto do carregamento estatístico. Olhando bem, é perto de zero.

Explico: como no primeiro trimestre o país cresceu bastante, ao ficar estável no segundo, a média do segundo comparado com a média do primeiro deu esse número de 1,2%. Veja o gráfico abaixo, apresentado ontem por Henrique Meirelles na entrevista coletiva. Ele mostra a variação do índice IBC-BR, medido pelo próprio Banco Central, e que já apontava uma alta de 1,3%, um pouco acima do resultado oficial do IBGE, divulgado ontem.

Ou seja, o 1,2% está mais para uma parada técnica mesmo. O mais curioso é que o crescimento do terceiro trimestre deve ser um número menor, talvez a metade disso, mas vai significar crescimento mesmo. Em resumo: 1,2% na verdade é zero; mas o provável 0,6% do terceiro trimestre será maior que o crescimento do segundo tri. O país vai crescer mais no terceiro trimestre do que no segundo, e mais no quarto do que no terceiro. O segundo semestre será bom, de crescimento, num ritmo mais sustentável.

O debate econômico brasileiro está num momento curioso. O ministro da Fazenda pegou os dados do PIB por outro ângulo, para dizer que o Brasil cresceu perto de 9% no primeiro semestre e que isso é só menor do que a China. A candidata Dilma Rousseff disse que nunca se cresceu tanto desde 1996. Já o Banco Central explicou que esse 1,2%, que dá um crescimento anualizado de 4,5% a 5%, na verdade é um efeito estatístico. O país parou de crescer no segundo trimestre. O que foi bom para conter o excesso de velocidade do começo do ano. E que daqui para diante continua crescendo, mas nesse ritmo mais sustentável. A diferença entre as duas versões do mesmo número é a distância entre propaganda e informação técnica.

A preocupação do Banco Central tem que ser com tendência inflacionária e o fato é que as projeções caíram, o país teve inflação zero em junho, julho e agosto. A economia mundial está mostrando sinais preocupantes, de maior dificuldade de retomada. Isso significa que as pressões inflacionárias serão menores. Portanto, o Banco Central tinha mesmo é que interromper a escalada da Selic. Os juros do mundo inteiro vão permanecer baixos por longo tempo porque as economias dos países desenvolvidos estão com um desempenho abaixo do esperado. Isso é um motivo a mais para os juros brasileiros pararem de subir.

O Banco Central tem sido muito criticado, ora pelo mercado, ora pelos políticos de dentro e fora do governo, e sempre pelos empresários. A imprensa também já fez várias críticas, em várias situações, eu inclusive. Houve momentos que ele subiu, quando deveria ter derrubado os juros. Quer ver um momento? Na reunião que ocorreu em 10 de setembro de 2008, véspera do colapso do Lehman Brothers, já se sabia que a crise financeira internacional era de grandes proporções. Os juros desabaram no mundo mas aqui subiram.

Mas ao fim e ao cabo, o Banco Central tem bons números para mostrar em sua defesa. Nos últimos seis anos a inflação média foi 4,7%, diante do centro da meta que é 4,5%. Um bom desempenho, sem dúvida. Os juros brasileiros permanecem altos demais. Sobre isso, há concordância geral. Há um longo trabalho a fazer para que eles possam ser mais parecidos com os do resto do mundo. Neste momento da vida nacional, nós estamos nos distanciando desse objetivo, com o governo aumentando gastos e reduzindo a transparência das contas públicas. Esse é o problema real do país e não esse debate sobre se o Banco Central fez ou não alguma avaliação errada da conjuntura. Na minha opinião, ele não fez.