Título: Caminhos perigosos para ciganos e latinos
Autor:
Fonte: O Globo, 04/09/2010, Opinião, p. 6

A União Europeia tem salvaguardas para proteger seus cidadãos de serem deportados sem justa causa pelos países-membros. Mas a França se vale de uma lei da UE, que permite a livre movimentação de seus cidadãos, para deportar ciganos para a Bulgária e para a Romênia. Nas últimas semanas foram 283, elevando o total este ano para 8.313, contra 7.875 em 2009. Os ciganos são a maior minoria étnica na UE, com uma população de 10/12 milhões nos 27 países que a compõem e nos que estão na fila para entrar. Do lado de cá do Atlântico, estatísticas confiáveis dão conta de que o número de imigrantes ilegais nos EUA caiu para 11,1 milhões em 2009, depois do pico de 12 milhões em 2007. O autor do estudo, Pew Hispanic Center, atribuiu isso à redução no número de imigrantes ilegais dos países latino-americanos, excetuado o México, que buscam melhores condições de vida nos EUA. O fato é relacionado à grande recessão na economia americana e às rígidas medidas de repressão adotadas pelas autoridades americanas.

Mas por trás da fria estatística se escondem casos escabrosos, como a descoberta do massacre de 72 imigrantes ilegais, entre eles brasileiros, que cruzavam o estado mexicano de Tamaulipas rumo aos EUA. Segundo a ONG mexicana Sem Fronteiras, os migrantes são agora um dos alvos do crime organizado no México, porque são uma forma fácil e rápida de ganhar dinheiro. O sequestro de migrantes para pagamento de resgates tornou-se uma das atividades dos cartéis do tráfico que se digladiam no México. A chacina dos 72 em Tamaulipas foi atribuída ao cartel Los Zetas, que controla as rotas e quadrilhas de tráfico de seres humanos na fronteira com os EUA há pelo menos dez anos. Na Europa, a situação se complica com o racismo e a xenofobia atávicos. Um diretor do Banco Central alemão foi exonerado ao defender, em livro, a tese de que o país está ficando mais burro porque os imigrantes muçulmanos, a quem atribui inteligência inferior, têm mais filhos que os alemães. Nesse contexto, a política francesa de expulsão dos ciganos mereceu reparos da Comissão Europeia (o Executivo da UE): ¿Ao decidir sobre expulsões, a legislação francesa não se refere explicitamente à obrigação de examinar todas as circunstâncias individuais.¿ Por isso, a Comissão pede informações detalhadas ao governo francês sobre essa prática. É bom mesmo que o faça. Os ciganos têm tradições e características que tornam difícil sua assimilação pelos países que os hospedam. Contudo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948, vale também para eles. Já o caso dos imigrantes latino-americanos que buscam o ¿eldorado americano¿ chama a atenção para a necessidade de melhoria das condições econômicas e sociais da América Central, de onde sai a maioria deles. Segundo a ONG Sem Fronteiras, 45% dos detidos ao tentar chegar aos EUA são da Guatemala, 32,8% de Honduras, 14,6% de El Salvador. São países que precisam de ajuda para desenvolver instituições suficientemente robustas para combater o crime e a impunidade. E também de assistência econômica para que, com menores desigualdades e melhor padrão de vida, a população não tenha que emigrar. A economia se globaliza, mas a mão de obra enfrenta barreiras na busca por trabalho.