Título: Humor em horário eleitoral gera polêmica
Autor: Brígido, Carolina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 04/09/2010, O País, p. 15

Censura para programas humorísticos cai, mas ministros têm dúvida se atinge propaganda política; presidente do STF diz que sim

PARA PELUSO, presidente do STF, humor não pode ser censurado em programas dos candidatos no rádio e na TV

BRASÍLIA. O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), anteontem, que liberou piadas sobre candidatos no rádio e na televisão gerou uma dúvida no meio jurídico: essa decisão também abrange os programas do horário eleitoral gratuito? Ou seja: um candidato pode fazer uso do humor ao se referir a um adversário? As opiniões dividiram ministros do próprio STF ouvidos ontem pelo GLOBO. À noite, o presidente da Corte, Cezar Peluso, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa: as piadas e montagens também estão liberadas na propaganda dos candidatos no rádio e na televisão.

Mas a divergência de opinião continua, e alguns ministros acreditam que só o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) poderá pôr fim à questão, quando houver julgamento de um caso específico.

Para o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, também integrante do Supremo, ficou claro que a decisão tomada na quinta-feira não se limita apenas à programação normal das emissoras, mas estende-se para o horário eleitoral gratuito. Concordam com ele José Antonio Dias Toffoli, também do Supremo, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Gurgel teme "quebra nos equilíbrio das eleições"

Entretanto, o relator da ação julgada anteontem pelo plenário do Supremo, ministro Carlos Ayres Britto, diz que a Corte não examinou a parte da lei relativa ao horário eleitoral. O ministro Henrique Neves, do TSE, concorda com Britto.

A polêmica surgiu porque, na quinta-feira, os ministros do STF suspenderam a validade de parte do artigo 45 da Lei 9.504/97 (lei eleitoral). É o trecho que define trucagem como "todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação". O problema é que o artigo 55 da mesma lei proíbe a trucagem no horário eleitoral gratuito, remetendo ao disposto no inciso 2 do artigo 45 - que foi suspenso pela Corte. Com isso, ficaria prejudicada a aplicação do artigo 55, apesar de o dispositivo não ter sido alvo direto da decisão do STF.

- Já manifestei minha preocupação no julgamento. Sou plenamente favorável à liberação total nos programas humorísticos, (a favor) de excluir a vedação aos programas humorísticos. Mas, quando se eliminou dispositivos que dizem respeito à montagem e a trucagem, por arrastamento, atingiu-se outros parágrafos que dizem respeito aos programas eleitorais. Se prevalecer isso, liberará a trucagem para os programas eleitorais - reafirmou Lewandowski, ontem.

Gurgel disse ter ficado alarmado com os efeitos dessa interpretação:

- Tive que me retirar antes da proclamação do resultado (anteontem), mas vi que havia sim esse risco (de se estender a liberação da trucagem ao programa eleitoral). É uma preocupação, sim, de que poderemos ter a quebra nos equilíbrio das eleições.

Carlos Ayres Britto tem opinião diferente. Ele pondera que, no julgamento, o STF não tratou diretamente do programa eleitoral gratuito. Portanto, caberá à Justiça Eleitoral dar sua interpretação no julgamento de casos concretos.

- Nós não enfrentamos essa questão (do horário eleitoral). Só cuidamos da parte relativa à imprensa. O TSE vai administrar as questões do programa eleitoral gratuito nos julgamentos - afirmou.

O ministro Henrique Neves, do TSE, tem a mesma posição:

- Pelo que entendi, não se chegou a examinar esse artigo (55). Vamos ter que examinar caso a caso. Eu mesmo não tenho uma posição firmada a respeito.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) também afirma que a interpretação do uso de trucagem nos programas dos candidatos caberá à Justiça Eleitoral. Como advogado, ele apoiou a ação, de autoria da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e de Televisão (Abert).

Advogado da Abert: decisão não inclui programa eleitoral

Para o advogado da Abert, Gustavo Binenbojm, a decisão do STF não abrange os programas eleitorais dos partidos e candidatos, nem deixa margem para eventuais interpretações futuras da Justiça Eleitoral.

- Os ministros concederam a medida cautelar somente para suspender trechos do artigo 45, que se aplicam à programação normal e ao noticiário de emissoras de rádio e de televisão. As vedações subsistem para o programa eleitoral gratuito dos partidos políticos. Para a Abert, essa decisão está muito clara - declarou Binenbojm.

Para solucionar a dúvida, a Abert poderia entrar com um recurso no STF chamado embargo de declaração - um instrumento que pede para o próprio tribunal explicar os efeitos de determinado julgamento. No entanto, nem a entidade, nem Miro pretendem fazê-lo. No caso da Abert, por não considerar que a decisão tenha dado margem a dúvida. No caso do parlamentar, por não querer "conturbar" a decisão - que, para ele, representa grande avanço no país:

- O direito ao acesso da informação acontece todo o tempo. Mas a Lei Eleitoral tirava esse direito durante o período eleitoral. Ou seja, no principal momento da democracia, que é o do voto, adotava-se regra de Estado de Sítio, com restrição à liberdade de informação.

Na quinta-feira, o STF confirmou a liminar dada semana passada por Ayres Britto suspendendo a censura ao humor durante a campanha eleitoral. A regra, fixada em legislação de 1997, proibia montagens e trucagens por parte de programas humorísticos a partir de julho do ano eleitoral. Essa decisão pode ser modificada no julgamento de mérito.

Miro Teixeira anunciou que, depois destas eleições, pretende entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no STF pedindo o fim de qualquer restrição à manifestação do pensamento imposta pela Lei Eleitoral.

O presidente do TSE esclareceu que, embora a decisão do STF seja liminar (de caráter provisório), ela tem efeitos imediatos até que seja revista, se for o caso. Não há previsão de quando o tribunal vai realizar o julgamento definitivo da questão. Lewandowski mostrou-se preocupado com o possível número alto de ações sobre o assunto que poderá chegar à Justiça Eleitoral.

- Sem dúvida, teremos mais representações com pedido de resposta. Os candidatos ofendidos poderão exigir direito de resposta.