Título: Tensão nos bastidores da capitalização
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 05/09/2010, Economia, p. 34

Sigilo rigoroso e doses de contrainformação marcaram reuniões sobre cessão

BRASÍLIA. Maior negócio do história do setor de petróleo, envolvendo R$ 75 bilhões, as discussões em torno da cessão onerosa de cinco bilhões de barris para a Petrobras foram marcadas por um sigilo rigoroso, muita tensão nos bastidores e doses de contrainformação, para que fosse identificada a origem de eventuais vazamentos de dados. Como num enredo de filme de suspense, o processo só foi finalizado aos 45 minutos do segundo tempo, quando se encerrava o prazo para que a capitalização pudesse ocorrer até o próximo dia 30.

No fim da tarde de quartafeira, faltando poucos minutos para a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), marcada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aprovar os termos do contrato, foi fechado o ponto mais sensível: o preço do barril a ser usado como parâmetro para a capitalização.

Preocupada em manter o máximo de segredo em torno das discussões, a Casa Civil orientou os nove ministérios membros do CNPE a não revelar onde seria a reunião. Marcada formalmente para o Ministério de Minas e Energia, a agenda de alguns ministros dizia que eles teriam reunião no Palácio do Planalto.

O sigilo em torno dos valores do barril era mais rígido. Informações pela metade vieram à tona, mas deliberadamente não foram desmentidas nem oficialmente, nem oficiosamente. É o caso dos valores da certificadora contratada pela Petrobras, que colocariam o barril entre US$ 5 e US$ 6. Essa cotação, revelou agora uma fonte, era resultado do cálculo da média dos valores de mercado da produção da empresa.

Na verdade, os valores oscilavam de US$ 5 a US$ 12, conforme o campo explorado.

Valores errados para identificar vazamento A planilha da certificadora da ANP, que só foi apresentada na penúltima semana de agosto, tinha variações da mesma ordem.

Um dos envolvidos conta que, para conferir de onde escapavam informações sigilosas, foram repassados dados parciais em uma reunião com a presença de técnicos de órgãos reguladores.

Disseram que o valor estava entre US$ 10 e US$ 12 o barril, mas não esclareceram que havia avaliações menores.

Essa informação logo chegou ao mercado como se fosse a média da avaliação da ANP. A goteira estava identificada: o vazador passou a ser controlado e virou motivo de piadas entre os principais atores do processo.

Foi um período muito tenso mas, ao mesmo tempo, muito técnico. Afinal, estavam em jogo dezenas de bilhões de reais diz um envolvido no processo.

Ao longo de várias semanas de reuniões nos fins de semana, os celulares não paravam de tocar boa parte do tempo foi gasta para discutir de onde viriam os cinco bilhões de barris a serem cedidos. Uma das polêmicas girou em torno do volume de óleo do campo de Franco, o principal da cessão onerosa, que corresponderá a 61% do total cedido. Ao anunciar a descoberta do megacampo, em abril, a ANP informou que ele teria volume de pelo menos 4,5 bilhões.

Mas a avaliação das duas certificadoras contratadas divergia quanto a esse montante.

A empresa contratada pela estatal apresentou duas medições para o campo: uma, conservadora, apontava um total de 2,4 bilhões de barris, enquanto outra, com critérios mais abrangentes, estimava até 5,6 bilhões.

Usando parâmetros diferentes, a certificadora contratada pela ANP apresentava dados mais elásticos, tanto na previsão conservadora quanto na mais abrangente: ambos apontavam um volume superior a cinco bilhões de barris. A solução foi costurada tecnicamente ao longo das semanas e se chegou a um valor de três bilhões de barris.

A discussão em torno do potencial mais provável de Franco tomou muito tempo. Pedimos estudos adicionais das empresas para ter certeza do que estávamos propondo. O valor achado dá folga para o processo e não foi questionado pelas certificadoras diz a fonte.

Polêmica sobre campos menores de petróleo Já a escolha das seis pequenas áreas a serem cedidas para a Petrobras na capitalização não foi aleatória e teve como objetivo evitar um problema futuro para a União. Além de Franco, o governo entregou seis campos vizinhos a áreas já concedidas para a petrolífera nas últimas rodadas de licitação da ANP. Nelas, a extensão das reservas nas profundas camadas do pré-sal se estendem para além dos limites legais. Isso permitirá que a estatal explore ambos sem se preocupar com a divisão do óleo.

Com isso, o governo se livra do complexo processo de individualização da produção (cujo nome técnico é unitização), que mereceu um capítulo específico no projeto que estabelece o novo marco regulatório do setor. Como dona das áreas não licitadas ao lado dos campos concedidos, a União teria de negociar e celebrar complicados acordos técnicos com a Petrobras e as sócias privadas.

Esse não é um papel da União disse um técnico.