Título: Desejos de bilhões
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 05/09/2010, Economia, p. 29

Compras por impulso dos brasileiros já movimentam R$ 13,8 bi por ano

Com a retórica do eu mereço, muitos brasileiros arranjam a desculpa perfeita para realizar seus sonhos de consumo.

Um momento de indulgência que já movimenta R$ 13,8 bilhões por ano.

Segundo os últimos dados disponíveis da consultoria Nielsen, a cifra representa 7,4% do faturamento das principais categorias do varejo brasileiro em 2009. O problema é que, muitas vezes, o consumidor se deixa levar pelo emocional e esquece de planejar as suas finanças. Ou simplesmente erra nas prioridades como comprar um iPad, mas deixar de fazer um curso importante para a carreira porque se endividou. Com isso, um desejo realizado pode ser tornar um pesadelo mais tarde.

A compra por indulgência tornouse significante, a ponto de já aparecer nas estatísticas, porque o brasileiro passou a ter mais renda disponível.

Com dinheiro no bolso, os consumidores passaram a ter acesso a bens e a marcas mais sofisticadas resumiu Arthur Oliveira, executivo de atendimento da Nielsen.

Especialista em economia comportamental, o professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Dan Ariely defende que as decisões de consumo especialmente aquelas que podem levar o consumidor a uma situação financeira de desequilíbrio são tomadas calcadas na emoção.

A sangue frio, muitos diriam não a estímulos da publicidade ou ao simples desejo de ter algo ou mesmo a suas próprias desculpas (eu trabalho tanto, eu preciso me dar algo, seria bom para passar mais tempo com as crianças). Mas não é bem assim.

Se não fosse pela lado emocional, as pessoas poupariam mais.

A falta de autocontrole pode levar a dívidas. É a emoção que faz o consumidor optar entre consumir mais, comprar um objeto de desejo, e não mais guardar dinheiro ou pensar na sua aposentadoria. O ser humano é bem diferente do que aparece nas teorias: é pura emoção disse Ariely, autor de Previsivelmente irracional (Editora Campus).

Comprar ou poupar para os filhos?

Segundo Marcelo Angulo, autor de Suas finanças.com, quando as pessoas agem de maneira impulsiva deixam de guardar dinheiro para eventos realmente importantes como poupar para a educação dos filhos ou para a compra da casa própria. Para ele, diante das tentações do varejo que ficam ainda mais irresistíveis com longos parcelamentos, sites de compras coletivas, promoções relâmpago e publicidade , o consumidor precisa aprender a fazer escolhas. Especialmente num momento em que o mundo não tem como suportar um consumismo desenfreado.

Infelizmente, planejamento financeiro é para uma minoria. É bom, por exemplo, fazer uma lista de gastos prioritários, ter uma reserva para eventualidades, evitar parcelamentos longos e ter sempre o bom senso. Benefícios de curto prazo podem prejudicar os ganhos de longo prazo disse Angulo, para quem fazer compras significa fazer escolhas.

No mês que comprar o iPhone, pode-se, por exemplo, sair menos para jantar fora.

Felicidade passa por consumir

Dizer não a bens em voga como a netbooks, e-readers, smartphones ou roupas de grife não é tarefa simples. Para Neuza Guareschi, especialista em Psicologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), o conceito de felicidade para a atual sociedade passa pelo verbo consumir: Quanto mais se tem, mais a pessoa será feliz.

Quem não consome fica se sentindo fora dos círculos sociais, e sente sem ter acesso a determinados meios e lugares. Com isso, a mentalidade consumista toma conta de mentalidade financeira. É uma pressão. Tanto que algumas pessoas podem até adoecer ou sofrer ao não consumir.

A especialista comenta que o mundo passou por uma mudança de hierarquia de valores. E hoje, portanto, uma pessoa pode achar que ter um iPod pode ser mais importante do que fazer um curso o que justificaria ter um e não fazer o outro.

O jovem é o que naturalmente mais sofre com isso. E acaba adquirindo bens por uma necessidade social e não por uma necessidade real. O efeito pode ser um endividamento comentou Neuza.

As compras por impulso, contudo, ajudam a engrossar as estatísticas de inadimplência, dizem especialistas.

Na avaliação do Banco Central, esse indicador parou em 6,5% em julho, após vir num ritmo de desaceleração com pausas no meio desde maio de 2009. Segundo José Antônio Prachedes Neto, presidente da Telecheque, apesar da inadimplência sob controle, a indulgência dos consumidores ajuda a explicar parte das dívidas das pessoas.

Em geral, esses consumidores por impulso são os jovens, que acabaram de entrar para o mercado de trabalho e estão ávidos por consumir.

De todo modo, têm um tíquete médio baixo, pois o que se busca são produtos como calça jeans ou celular disse ele, acrescentando que o crédito dá um fôlego a quem busca consumir e citou que 78% dos cheques emitidos no país são pré-datados.

É o excesso de crédito um dos maiores incentivos ao discurso do eu mereço, disse Livia Barbosa, professora da ESPM. Inclusive quando se trata do consumo das classes com menor renda, frisou. Afinal, é possível pagar menos de R$ 30 por mês para ter uma máquina fotográfica digital.

A retórica do eu mereço olha a vida como uma forma de celebração da vida, de si mesmo, de bem-estar. É uma realização, pois ninguém está comprando, nesse caso, para estocar um artigo ou por uma real necessidade.

Um comportamento que, sem dúvida, tem impactos nas finanças. O efeito, para muitos, é um alto endividamento.

Mas, é claro, existe a autonomia da escolha.

A consumidora Bianca Marques até sabe dizer não a seus impulsos de consumo. Mas nem sempre consegue ou quer e acaba, muitas vezes, com dívidas para ter roupas e acessórios novos no guarda-roupa. Sua desculpa: eu gosto de estar bem vestida, ainda que isso pese no seu orçamento. Já chegou a gastar apenas numa grife feminina R$ 3 mil num mês. E de olhos nesses gastos, o banco já ampliou mais que dobrou seu crédito no cartão. Para poder comprar mais, criou um bazar com roupas suas pouco usadas.

É uma forma de eu poder gastar mais disse Bianca, que deu uma pausa no bazar até se adaptar à sua nova fase de vida: a maternidade.