Título: É uma coisa terrível a despolitização
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 06/09/2010, O País, p. 11

Presidenciável do PSOL, Plínio ataca "políticas capitalistas" dos últimos 16 anos, além de Dilma, Serra e Marina

SÃO PAULO. O jurista Plínio de Arruda Sampaio, de 80 anos, 65 de militância política, não aposenta as armas nunca. Candidato a presidente pelo PSOL, dispara contra os principais adversários. Dilma Rousseff (PT) tem "uma certa impostura", José Serra (PSDB) tem "uma certa truculência", e Marina Silva (PV) é "carreirista". Plínio é igualmente implacável com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do partido que ajudou a fundar, mas que abandonou em 2005. Para Plínio, o governo de Lula "foi frustrante". "Saí do PT porque o PT saiu de mim", afirma o candidato socialista.

Esta semana, O GLOBO fará sabatinas com os principais candidatos a presidente na sede do jornal, no Rio. Líder nas pesquisas, Dilma Rousseff (PT) se recusou a debater as questões do país e suas propostas com os colunistas e leitores do jornal. Já Marina Silva, candidata do PV, será entrevistada no auditório do jornal no próximo dia 9, quinta-feira, com transmissão ao vivo para o site. No dia seguinte, sexta-feira, será a vez do candidato do PSDB, José Serra.

Plínio de Arruda Sampaio foi entrevistado em São Paulo, na semana passada.

O GLOBO: Qual a solução para o Brasil?

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO: É acabar com a desigualdade social.

O GLOBO: Em que o senhor se difere dos demais candidatos?

PLÍNIO: No fato de que, para mim, a prioridade primeira é acabar com a desigualdade social.

O GLOBO: Se o senhor fosse tomar cinco medidas prioritárias, quais seriam?

PLÍNIO: Reforma agrária radical, redução da jornada de trabalho, reforma urbana, educação pública e saúde pública.

O GLOBO: Qual sua avaliação da atual campanha?

PLÍNIO: A lei impede o debate. A grande mídia está de acordo com isso porque à burguesia brasileira não interessa o debate. Ela está bem, tranquila, mas sempre teme o povo. A característica da burguesia brasileira é uma contrarrevolução permanente. Porque entre a Dilma, a Marina e o Serra não existe nenhuma diferença substantiva. Representam diferentes facetas de um mesmo modelo, capitalista. No caso, aqui, é um modelo neoliberal e selvagem.

O GLOBO: Em relação à quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra e outros tucanos, o senhor acredita que a campanha de Dilma Rousseff tem alguma responsabilidade nisso?

PLÍNIO: Não sei e nem me preocupo saber. O que sei é que isto é distração dos problemas reais. Nós não deveriamos estar discutindo isso, mas educação, saúde e coisas fundamentais para o povo brasileiro.

O GLOBO: No primeiro debate na TV, o senhor foi bem duro com a senadora Marina. Mais até do que com os candidatos que estão à frente na pesquisa. É uma estratégia ou uma crítica direta a ela?

PLÍNIO: Na verdade, foi por acaso. Você, quando está numa luta de boxe, não controla toda a força de todos os seus golpes. Então o da Marina saiu um pouco mais forte, e ela é muito débil, né? Então apareceu muito. Mas não foi uma estratégia. A estratégia é criticar igualmente os três.

O GLOBO: Mas o senhor ficou magoado porque ela não foi para o PSOL?

PLÍNIO: Não fiquei magoado. Constatei o seguinte: estranha figura que deixa um governo por discordar das políticas desse governo e vai para um partido que apoia esse governo. Não tem lógica. Mas não considero que chamá-la de ecocapitalista seja um ataque. É ataque na medida em que ela procurar esconder isso. Se me chamam de ecossocialista, eu fico muito alegre.

O GLOBO: O senhor fez uma crítica dura ao governo Lula, chamando-o de nefasto. É sua opinião ou é o calor da campanha?

PLÍNIO: Não. Eu diria que o governo do Fernando Henrique (Cardoso) foi nefasto. O governo do Lula é frustrante. Frustrou terrivelmente esperanças. Não tenho nada contra o PT nem contra os petistas. Tenho contra a cúpula que desviou o PT do seu caminho. Mas no PT há muita gente séria, correta.

O GLOBO: O presidente Lula está nessa "cúpula" ou está no grupo das pessoas sérias?

PLÍNIO: Sem dúvida está nessa cúpula. Não teria condição nenhuma de o PT seguir isso se ele (Lula) tivesse outra atitude.

O GLOBO: Em seu programa há medidas como taxação das grandes fortunas, limites da propriedade de terra. Como fazer a transição para esse modelo?

PLÍNIO: Na eventualidade da vitória do PSOL, a conjuntura será completamente distinta. Toda eleição muda a correlação de forças. E, no caso, a mudança seria total. Teríamos um apoio popular suficiente para sustentar todas essas medidas. Tranquilamente.

O GLOBO: As pesquisas recentes o afastam ainda mais do sonho da Presidência. Mas o senhor já disse que a Presidência não era o mais importante na campanha.

PLÍNIO: Sim. O importante era ter uma candidatura que dissesse as coisas que precisam ser ditas.

O GLOBO: E o senhor está conseguindo dizê-las?

PLÍNIO: Acho que estou. Nos debates de TV, isso ficou evidente. No meu programa eleitoral, também. E no meu Twitter, todo dia. Estou conseguindo dizer a uma parcela relativamente pequena, porém não insignificante, que toda essa problemática não diz respeito ao povo. O povo tem outras prioridades, outras colocações.

O GLOBO: Temos pelo menos quatro candidatos à Presidência que vêm de uma história de esquerda. A ministra Dilma foi da luta armada, o Serra também veio de um passado de esquerda...

PLÍNIO: Veio, ele veio (risos).

O GLOBO: Toda vez que se fala em José Serra, o senhor dá um sorrisinho. O senhor é mesmo amigo dele?

PLÍNIO: Sou amigo pessoal, o que não me impede de ter uma atitude de absoluta crítica ao programa dele. E eu dou um pouco de risada por achar curioso, para mim é muito curioso ver o Serra numa posição conservadora. Eu o conheci numa posição de esquerda, avançada. Eu não consigo deixar de rir.

O GLOBO: Mas ele tem esse passado, e o partido dele está em um campo mais democrático. E tem a Marina. Olhando para esses candidatos, o Brasil melhorou?

PLÍNIO: Não. Porque esses candidatos não são mais de esquerda. Ao contrário, esse é um sinal ruim. A pressão foi tão forte que esses candidatos largaram suas convicções, abandonaram suas convicções.

O GLOBO: Nos seus 65 anos de militância, o que melhorou ou piorou?

PLÍNIO: Esta que é a minha tristeza: piorou muito. Quando eu comecei, aos 15 anos, o Brasil era efervescente. Na década de 50, os comunistas iam para a Praça do Patriarca (no Centro de São Paulo) para discutir, enchia de gente. Agora, não. É uma pasmaceira. É uma coisa terrível a despolitização do país. E os problemas, agravados.

O GLOBO: O senhor defende dois pontos bastante polêmicos: a liberalização de certas drogas e a legalização do aborto.

PLÍNIO: Sou um homem cristão, e, como cristão, sou contra o aborto. Mas como governante, se eu vier a ser, sou um homem público. Não posso impor a outras pessoas a minha convicção. A interrupção precoce da gravidez é um problema de convicções. Por outro lado, o aborto é problema social gravíssimo. Cem mil jovens perdem a vida anualmente com aborto. Descriminalizar é uma tolerância. É preciso legalizar. Não é liberalizar total, é colocar sob o controle da lei para reduzir.

O GLOBO: E quanto à questão das drogas?

PLÍNIO: O PSOL ainda não fixou definitivamente sua posição. Trabalho com um grupo amplo, com psicólogos, assistentes sociais e a rapaziada. A alegação dos rapazes é que a maconha está sendo um pretexto para que a polícia chantageie os jovens, principalmente pobres e negros. Acho que, legalizando essa droga cultural, fica mais fácil fiscalizar e estabelecer limites.

O GLOBO: Há um milhão de usuários de crack no Brasil, e pelo menos 10% desses jovens acabam na prisão. Qual é a sua posição?

PLÍNIO: O narco é uma empresa capitalista muito mais conectada com o grande capital do que se pensa. É a grande fonte de lavagem de dinheiro. Tem de haver um combate frontal, policial, sem trégua. Ao lado disso, a montagem de um sistema real de tratamento.

O GLOBO: Como ficaria sua relação com a Bolívia, com a Colômbia? O senhor se relacionaria com as Farc?

PLÍNIO: Com a Colômbia, muita dificuldade. Com a Bolívia, a Venezuela, uma colaboração estreita. Com Cuba, excelentes relações.

O GLOBO: E com os Estados Unidos?

PLÍNIO: Não temos nada contra os Estados Unidos. O único problema é a questão das multinacionais aqui. Se eles aceitarem não ter nenhuma intervenção em relação às medidas que vamos tomar para sopitar um pouco a ganância dessas empresas, nenhum problema.

O GLOBO: E com o Irã? O presidente Lula é bem criticado por sua relação estreita com o presidente Ahmadinejad.

PLÍNIO: Se eu tenho relações com os Estados Unidos, com Israel, por que não tenho com o Irã? Um dos únicos pontos positivos que ele (Lula) tem é esse. Eu não vejo problema nenhum.

O GLOBO: Sobre a reforma agrária, o senhor defende uma limitação de propriedade.

PLÍNIO: Uma fazendona de 500 alqueires é uma monstra. O dono tem todas as condições de ser um homem muito rico. Não há razão para alguém ter mais do que essa quantidade de terra.

O GLOBO: Em uma sabatina, o senhor disse que seria "o primeirão" nas ocupações de terra. Como seria sua relação com o MST?

PLÍNIO: Tenho uma relação com a reforma agrária desde os anos 60. Fui o deputado que relatou o projeto do presidente João Goulart. A partir daí fui exilado. Quando voltei, me pus a campo nessa luta, e o MST estava nascendo. Apoio o MST totalmente. Celso Furtado dizia que o MST é um movimento cívico comparado ao da abolição da escravidão. E acho mais: se não fosse o MST, nós já teríamos guerrilha rural.

O GLOBO: O senhor defende uma posição meio chavista em relação aos meios de comunicação.

PLÍNIO: Não conheço bem a posição chavista, mas numa república democrática não há nenhuma força que se subtraia ao controle do Estado. Uma coisa é o controle do Estado, outra é a censura. Sou contra todo e qualquer tipo de censura, inclusive a censura que os sete grandes conglomerados de comunicação fazem aos seus jornalistas e ao povo. Eu estou sendo censurado. Não saio nos jornais. É raríssimo. Não sou convidado às televisões e só vou aos debates porque a lei me favoreceu.

O GLOBO: Mas, depois de sua participação no primeiro debate, estão convidando-o bastante. O senhor fez sucesso.

PLÍNIO: Agora resolveram me chamar porque eu dou Ibope (risos).

O GLOBO: Esse senso de humor, o senhor tem sempre?

PLÍNIO: Nasci com ele. Herdei da minha mãe, que era uma gozadora de primeira. Eu acho que é importantíssimo isso para a vida. A pessoa não ser arrogante, não se sentir melhor que os outros e ter coragem de levar as coisas com certa relatividade. O humor é uma relativização.

O GLOBO: Se fosse resumir em uma frase cada um dos seus adversários, o que diria?

PLÍNIO: O problema do Serra é uma certa truculência no exercício da autoridade. O problema da Dilma é uma certa impostura. Como uma pessoa que não fez política a vida inteira e não pertence ao partido que vai elegê-la se candidata? Em relação a Marina, é o fato de que ela, uma pessoa correta, de bem, demonstrou ser uma pessoa carreirista. Está nisso por um programa pessoal.

O GLOBO: O senhor reveria as privatizações, reestatizaria alguma empresa?

PLÍNIO: Hotel de turismo em Itanhaém, não. Mas o resto, tudo: Embraer, Vale do Rio Doce, Fábrica Nacional de Motores. O Estado precisa ter instrumentos de fazer política econômica.

O GLOBO: Faria a reforma tributária?

PLÍNIO: O imposto que mais agrava o cidadão é o ICMS, que é absolutamente regressivo, na medida em que um pobre, ao comprar um litro de leite, paga a mesma coisa que um milionário. Outro que precisa ser aumentado é o imposto sobre grandes fortunas. Tem de aumentar a tarifa e a progressividade. E o imposto de renda precisa ser ajustado à lucratividade das empresas privadas.

O GLOBO: O senhor critica bastante a especulação financeira. No entanto, tem R$1,7 milhão investidos em ações.

PLÍNIO: Isso é produto de uma casa que eu acabei de vender.

O GLOBO: Mas está lá, especulando. Como é isso?

PLÍNIO: É uma defesa normal do meu patrimônio. Eu vivo nesta sociedade. Sou contra ela, mas vivo nela. Ando pela direita, quando guio, obedeço ao sinal de tráfego. É uma defesa normal, absoluta. É público, notório, e o meu imposto de renda está à disposição de quem quiser.

O GLOBO: O Bolsa Família não ajudou?

PLÍNIO: O problema dele é que é uma humilhação para quem pega. O Bolsa Família é um benefício necessário para quem está numa situação de fome, mas esconde o problema real, que é alguém passar fome. É um programa que não existiria em uma sociedade justa.

O GLOBO: O senhor manteria o Bolsa Família?

PLÍNIO: Sim, enquanto a pessoa estiver esperando um trabalho, uma terra para plantar, e tiver problemas alimentares. Daí, tem de quadruplicar, porque o que ela recebe é insuficiente para ela se alimentar.

O GLOBO: É a primeira vez que o presidente Lula não sai candidato, mas o senhor acha que ele "saiu" da campanha ou está concorrendo?

PLÍNIO: Está concorrendo a 2014. É evidente. A Dilma é um fantoche dele.

O GLOBO: O senhor saiu do PT há cinco anos. Por quê?

PLÍNIO: Porque o PT saiu de mim. Ele começou sendo socialista, mas se desviou e tornou-se um partido capitalista.

O GLOBO: O presidente Lula, há alguns dias, afirmou que o Brasil precisou de um presidente metalúrgico socialista para se tornar um país capitalista, porque antes não tinha capital. Ele é socialista?

PLÍNIO: Uma vez, ele foi perguntado se era socialista e respondeu: "Sou metalúrgico." Ele dizia internamente, para nós (no PT), que era socialista. Mas a gente percebe que nunca foi.

O GLOBO: E o país hoje tem mais capital?

PLÍNIO: O Brasil está mais pobre. A distância entre o Brasil e os países desenvolvidos aumenta. A desindustrialização do Brasil é um fato. A desnacionalização da economia é brutal. Não entendo como é que está mais rico. Está é mais pobre.

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