Título: Hospital investigado por trocar cirurgias por votos
Autor: Costa, Ana Claúdia
Fonte: O Globo, 09/09/2010, Rio, p. 21

Sócio de unidade onde ex-estudante de Medicina atuava como ginecologista é candidato a deputado estadual

MAXIMILIANA SÁ, que passou por cirurgia de laqueadura mesmo estando grávida de quatro meses

TAINÁ e o marido: filho nasceu com problemas respiratórios e não resistiu

O CARTÃO de Flávio Ferreira; no verso, o encaminhamento para o médico

Ana Cláudia Costa, Rafael D¿Angelo e Vera Araújo

A Delegacia de Repressão a Crimes contra Saúde Pública (DRCCSP) encontrou indícios que o Hospital de Clínicas Belford Roxo ¿ onde o ex-estudante de Medicina Silvino Magalhães da Silva, de 40 anos, preso no domingo, atuava como ginecologista ¿ fazia laqueadura em troca de votos. Candidato a deputado estadual pelo Partido da República (PR), Flávio Campos Ferreira é sócio da clínica ao lado do irmão Deodalto Ferreira, que foi indiciado como coautor de homicídio doloso, por causa das mortes ocorridas na unidade, e fraude processual. Silvino também foi indiciado por homicídio e exercício ilegal da profissão. Os dois também poderão ser indiciados por formação de quadrilha.

Na delegacia, pacientes denunciaram ontem que Deodalto oferecia cirurgias de lipoaspiração e vasectomia em troca de votos para seu irmão. Mãe de sete crianças, o mais novo um menino de três meses, a dona de casa Maximiliana Maria Romão Sá, de 26, afirmou que ofereceram a ela uma laqueadura gratuita em troca de seu voto. Ela contou que em outubro do ano passado foi submetida a uma cirurgia desse tipo no Hospital de Clínicas Belford Roxo, mesmo estando grávida de quatro meses. A cirurgia foi feita por Silvino e um colombiano.

Falso médico atendia desde 2008, afirma vítima

Segundo Maximiliana, quando entregou os exames, inclusive o de sangue, os médicos não viram que ela estava grávida e realizaram a laqueadura. Como a cirurgia infeccionou, ela foi a outro médico e descobriu a gravidez.

¿ Quando procurei a clínica de novo, o dono disse que não podia fazer nada e que nada iria acontecer porque tinha as ¿costas quentes¿. Ainda recebi pelo correio um calendário com o nome do irmão dele pedindo votos ¿ contou.

Outra paciente de Silvino, a dona de casa Verônica da Cunha de Abreu, de 29 anos, afirmou que fez a ligadura de trompas em troca de votos para o irmão do dono da clínica. Ela disse ter dúvidas se fizeram mesmo a cirurgia:

¿ Tive o bebê em junho e operei. O dono da clínica me disse que me ajudaria, fazendo a operação de graça, se eu ajudasse ele a eleger o irmão.

Dez pacientes que foram atendidas pelo ex-estudante de Medicina já estiveram na delegacia. Entre elas, estava Cleonilce Ribeiro, de 38 anos, que contou ter sido induzida a realizar a cesariana por Silvino, em agosto de 2008.

¿ Estava com cirurgia marcada e fui atendida pelo Silvino, que usou o carimbo de outra médica. Ele anotou no prontuário que eu estava em trabalho de parto, mas não tive contrações. Depois, durante o parto, meu filho ficou sem oxigenação no cérebro e foi constatada uma lesão cerebral. Nós dois ficamos internados por 12 dias. Hoje ele não consegue andar. Entrei com um processo contra o hospital ¿ afirmou Cleonice.

Revoltado com o falecimento do neto, o motorista de ônibus Edelci Canedo dos Santos prestou queixa contra a clínica e toda equipe médica. Ele contou que a filha, Tainá Cristina de Castro Portes, de 16 anos, teve o parto realizado por Silvino. Segundo ele, a jovem aguardou pelo parto por nove horas e a criança nasceu com problemas respiratórios. O motorista de ônibus contou ainda que, no parto, o bebê teve o braço quebrado e, após dois meses internado, morreu.

¿ Foi o ex-estudante de Medicina que fez o parto da minha filha. Meu neto morreu porque ele demorou a nascer. Esse falso médico ainda quebrou o braço do bebê no parto, mas atribuiu a fratura ao bebê ter batido com o braço na encubadora. Um recém-nascido não tem força para isso ¿ disse Edelci.

Com um filho de 7 meses com problemas neurológicos, Jéssica Vitoriano, de 19 anos, incluiu na queixa o médico colombiano identificado como Félix Jorge Garcia Arozqueta, de 44 anos. De acordo com Jéssica, seu filho nasceu com problemas neurológicos por ela ter ficado muito tempo na sala de pré-parto. Arozqueta, que não tem registro de médico no Brasil, está sendo procurado pela polícia.