Título: Analista filiado ao PT diz que abriu dados sem ter documentos
Autor: Bruno, Cassio
Fonte: O Globo, 07/09/2010, O País, p. 4

"Há vários casos de homônimos com nome de Eduardo Jorge", afirma ele

FORMIGA (MG). Responsável por abrir dez vezes os dados cadastrais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, em Minas, o analista tributário da Receita Federal Gilberto Souza Amarante disse que agiu atendendo a uma consulta de um homem que o procurou no escritório da Receita em Formiga (MG) e se apresentou como Eduardo Jorge.

Amarante disse que a pessoa não levou documentos. Segundo a direção da agência de Formiga, é comum que clientes peçam acesso a dados cadastrais sem mostrar documentos que comprovem sua identidade.

- A minha função é acessar dados. Há 17 anos, faço isso várias vezes por dia. Não lembro quem me procurou - afirmou Amarante.

O analista disse que não se lembra da pessoa nem se ela lhe deu algum sobrenome. Para Amarante, a hipótese mais provável é que um outro Eduardo Jorge tenha ido ao local para obter as informações.

- O acesso foi feito durante o horário de expediente, no atendimento. Há vários casos de homônimos com esse nome de Eduardo Jorge. Nossa base cadastral é nacional. Então, o que é factível é que houve um homônimo, e esse acesso durou apenas 41 segundos, conforme o relatório da Receita - disse o analista.

Amarante negou ter feito 10 acessos no cadastro do vice-presidente do PSDB:

- O sistema, quando está pesquisando o nome, registra cada mudança de página como um acesso. E esse acesso foi na base cadastral e não na base fiscal (do tucano).

"Violar dados é gravíssimo", diz presidente do PT de Arcos

O chefe da agência da Receita em Formiga, Jorge Faria, no entanto, revelou que, para ter acesso apenas aos dados cadastrais não é necessário a apresentação de documentos. Somente, segundo Faria, em casos de emissão de certidão de débito, de pesquisas e de situação fiscal, entre outros serviços. Nessa agência, trabalham nove funcionários que atendem cerca de 100 "clientes" diariamente.

- A gente supõe que ninguém está aqui para fazer ato ilícito. Se formos olhar todos os clientes como bandidos, fica complicado - disse Faria.

O analista contou que, se a requisição de dados for feita por outra pessoa que não o titular do CPF pesquisado, a consulta pode ser realizada através de uma procuração para terceiro. Ele, contudo, lembrou que esse documento não fica registrado na agência. Amarante ressaltou ainda ter tomado conhecimento do episódio apenas no último fim de semana porque "a imprensa registrou o documento da investigação do caso".

De acordo com o analista, na base cadastral só existem informações como o nome completo, a data de nascimento, o sexo, a filiação, o endereço e o CPF.

- Foi acessada uma base cadastral. Não foi acessado nenhum dado fiscal. Muitas vezes, para perceber que a pessoa que está perante a gente é mesmo aquela pessoa, é preciso acessar o sistema - explicou ele.

Em relação ao PT, partido ao qual é filiado desde 30 de agosto de 2001, Amarante diz que não tem militância:

- É bom a gente desfazer outro equívoco que está fazendo indevidamente o caso ganhar uma proporção que não tem. Filiação partidária não se confunde com militância. Nunca tive nenhum tipo de militância política. Assim que cheguei à cidade de Arcos (a 30km de Formiga, onde ele trabalha), me chamaram para participar de uma reunião e pediram para me filiar. Entrei no PT por educação.

Perguntado sobre as declarações do presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, de que poderia expulsá-lo do partido, Amarante disse que sua filiação "não tem efeito".

- A filiação para mim não tem efeito. Não sou ligado à política, não faço qualquer contribuição financeira ao PT.

O analista descartou envolvimento com o PT nacional, o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, o jornalista Amaury Ribeiro Junior - que atuava no comitê de imprensa da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff -, e o contador Antônio Carlos Atella Ferreira, que usou uma procuração falsa em nome de Verônica Serra, filha de José Serra (PSDB).

O analista disse não se lembrar de quem abonou sua ficha de filiação no PT. Afirmou somente ter sido um pedido de um ex-presidente do PT de Arcos.

Amarante disse ainda estar constrangido com o episódio:

- Estou altamente constrangido e indignado com a forma como as notícias estão sendo divulgadas. Eu também sou cidadão. Tenho direitos. Sou servidor de carreira do Estado.

Durante nove minutos de entrevista, no estacionamento de um hotel perto da Agência da Receita de Formiga, Amarante estava acompanhado do delegado sindical da Receita Federal de Divinópolis, André Luiz Fernandes, e de Jorge Faria, chefe da agência de Formiga.

O tesoureiro do PT em Arcos, Dorival Ribeiro, disse que, em 2001, quando presidia o partido na cidade, levou Amarante para se filiar, mas que o analista nunca teve participação ativa.

- Achávamos que ele seria brilhante, indicado até para disputar a prefeitura.

O presidente do PT de Arcos, Hideraldo José, negou participação do partido no caso e disse não conhecer Amarante.

- Se ele cometeu erro, tomaremos as providências cabíveis. A gente preza pela ética. Violar dados é gravíssimo.