Título: Paris desafia UE e mantém expulsão de ciganos
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Fonte: O Globo, 10/09/2010, O Mundo, p. 37

Em votação, Parlamento Europeu aprova resolução pela suspensão da política de Sarkozy para a minoria

CRIANÇA CIGANA segura irmã em barraca num acampamento ilegal em Lille, no norte da França: Legislativo europeu denuncia ¿retórica discriminatória¿

BUCARESTE e ESTRASBURGO. Desafiando uma resolução adotada ontem pelo Parlamento Europeu, a França declarou por meio de seu ministro da Imigração, Éric Besson, que não suspenderá as repatriações de ciganos que vivem irregularmente em seu território. De acordo com Besson, que está na Romênia para tentar forjar uma política comum em relação à minoria, o Parlamento Europeu não deveria se intrometer na questão.

¿ O órgão está fora de suas prerrogativas e está claro que nós não precisamos nos submeter a ordens políticas. A França aplica as leis da União Europeia escrupulosamente e respeita a legislação da República Francesa ¿ afirmou.

Mais cedo, o Parlamento Europeu havia votado, numa resolução sem caráter obrigatório, pela suspensão imediata das expulsões de ciganos organizadas pela França e por outros países-membros, considerando que elas ferem tratados europeus e a legislação do bloco.

A resolução foi aprovada por 337 votos, sobretudo dos grupos liberal, verde e comunista presentes na Casa, contra 245.

França e Romênia concordam em concentrar esforços

O Parlamento se declarou preocupado ¿pela retórica provocadora e abertamente discriminatória que marcou o discurso político durante as repatriações dos ciganos, o que dá credibilidade a ideias racistas e a ações de grupos de extrema-direita¿. O texto sustenta ainda que a livre circulação de cidadãos de países do bloco, um dos pilares da União Europeia, está sendo violada pelo governo francês. A crítica do Parlamento Europeu faz coro a condenações anteriores feitas pela ONU e pelo Vaticano à política de expulsão de ciganos.

Segundo eurodeputados, a decisão do Parlamento representa uma rara condenação da Casa a um país específico.

¿ Essa é uma condenação de caráter extraordinário ao presidente Nicolas Sarkozy e a seu governo ¿ disse o deputado britânico trabalhista Claude Moraes.

Os conservadores, grupo político ao qual pertence Sarkozy, rechaçaram a decisão, e negaram a violação da legislação da União Europeia. Os eurodeputados franceses de direita também se pronunciaram contra o resultado da votação.

Num comunicado, a delegação lamentou as ¿denúncias hipócritas e as condenações sem fundamento do Parlamento Europeu, que contribuem para simplificar o debate¿.

Um dos principais pontos de atrito reside no caráter das expulsões: enquanto o Parlamento Europeu denuncia que o governo francês visa aos ciganos como grupo étnico, Paris afirma reiteradamente que as repatriações são feitas caso a caso. Desde o início do ano, cerca de 8 mil membros da minoria deixaram a França, voluntária ou involuntariamente.

Em Bucareste, Éric Besson, acompanhado do secretário de Estado francês para Questões Europeias, Pierre Lellouche, defendeu a posição de Paris junto ao chanceler romeno, Teodor Baconschi. A Romênia é o país europeu que abriga a maior comunidade da minoria, e suas relações com a França estão estremecidas há mais de um mês, quando Sarkozy anunciou o endurecimento do governo em relação aos ciganos. O apelo a Baconschi, no entanto, parece ter surtido efeito.

¿ Acho que já é hora de colocarmos um fim nessas polêmicas estéreis ¿ afirmou o chanceler romeno.

Os dois ministros concordaram em concentrar esforços para resolver a questão. Paris pede que Bucareste integre melhor a minoria ao país.

Polícia faz busca em sede de partido de Sarkozy

Num outro episódio que pode afetar a imagem de Sarkozy, a polícia francesa fez uma busca na sede de seu partido, a UMP. Os agentes buscavam uma carta do ministro do Trabalho, Eric Woerth, a Sarkozy, relacionada ao caso Bettencourt ¿ no qual se suspeita que a fortuna da mulher mais rica da França, Liliane Bettencourt, tenha financiado ilegalmente a UMP. Segundo o diretor-geral do partido, Eric Cesari, a polícia nada encontrou no local.