Título: Como Abraão, pediddo na última hora
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 10/09/2010, O Mundo, p. 36

GAINESVILLE, Flórida. Terry Jones está distraído. O presidente Barack Obama acaba de falar sobre ele na TV, o café em sua igreja no bosque de Gainesville não está feito e, no meio da noite, seu site tinha misteriosamente caído. Talvez isso explicaria seu traje totalmente mundano ¿ camiseta Harley-Davidson, tênis e short. Mas é provavelmente assim que ele se veste numa manhã normal.

Só que ele não tem uma assim desde que anunciou, há dois meses, que iria queimar uma pilha de exemplares do Alcorão este sábado para marcar o nono aniversário do 11 de Setembro. Aqui em seu escritório, onde as paredes são decoradas com um cartaz de ¿Coração Valente¿ e um papel de tiro ao alvo ¿ com marcas ¿ com a imagem de Osama bin Laden, ele pode se sentir seguro, mas há uma razão para ele ter uma arma na cintura.

Alto e magro, com bigode típico de motoqueiro, Jones parece estar ¿ ao mesmo tempo ¿ confiante e incerto. Depois de falarmos, seu filho, Lucas, me leva para um lado da sala onde os Alcorões estão amontoados em uma pequena mesa. Alguns são luxuosos, com capa verde e dourada, mas quase todos são livros de bolso, alguns publicados pela Penguin Classics.

Com um repórter estrangeiro à espera, Jones não teve tempo para ver toda a entrevista de Obama, mas escutou quando o presidente sugeriu que ele ouvisse os ¿bons anjos¿. Ele riu.

¿ Eu escuto só a Deus ¿ diz ele. ¿ Anjos não se comunicam conosco, Deus sim. Eu não quero ser grosseiro, mas soa como uma declaração de alguém que não entende o cristianismo.

Jones começou a sua ofensiva anti-Islã há pouco mais de ano, colocando cartazes do lado de fora da igreja afirmando: ¿O Islã é do diabo¿. A reação, ele confessa, foi mais forte do que esperava. E não tem sido ótimo para a sua congregação de cerca de 50 pessoas ¿ reduzida à metade desde o início de sua pregação.

Antes de recuar sobre a queima de Alcorões, ontem, ele dera a entender que a porta estava aberta para fazê-lo, mas a ordem teria de vir de Deus ¿ o que, até então, ainda não ocorrera.

Mas Jones lembrou o Antigo Testamento, quando Deus pede a Abraão que sacrifique seu filho. Abraão aceita.

¿ Só no último segundo Deus pede para ele parar ¿ disse Jones.