Título: Fúria contra queima de Alcorão faz pastor desistir
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 10/09/2010, O Mundo, p. 36

Religioso recua após protestos, apelo de Obama e alerta da Interpol

O PASTOR evangélico Terry Jones (à esq.) se rende à pressão sem precedentes e cumprimenta o imã Muhammad Musri

NA ÍNDIA, muçulmanos queimam bandeira dos EUA em protestos furiosos na cidade de Ahmedabad

Éo pior, o mais inflamado 11 de setembro desde 2001. A data, que tinha se tornado uma ocasião de reflexão e homenagem à memória dos 3.000 mortos daqueles atenta dos terroristas, este ano acontece em meio a uma escalada de radicalização que levou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a dirigir um apelo a Terry Jones, um pastor evangélico com apenas 50 seguidores na Flórida que havia programado uma queima de exemplares do Alcorão para amanhã. O pastor recebeu um telefonema do secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, com um pedido expresso. No fim da tarde, ele anunciou que havia desistido de seus planos e decidido viajar para Nova York para se encontrar com o imã Feisal Abdul Rauf, responsável pelo projeto da mesquita na vizinhança do Marco Zero do World Trade Center. Jones disse que o clérigo muçulmano concordara em mudar a localização da mesquita, mas a informação não foi confirmada pelo imã Feisal.

Em comunicado, o imã Feisal se disse surpreso com o anúncio de um acordo, que estaria sendo mediado pelo imã Muhammad Musri, da Flórida. O clérigo elogiou a decisão do reverendo de desistir da queima, mas disse que não ¿brinca com sua religião nem com a dos outros¿. Os construtores da mesquita e centro cultural também negaram, em nota, que haja uma decisão de mudar o local da construção.

O Departamento de Estado e a Interpol haviam emitido alertas aos cidadãos americanos que estejam em viagem ou vivam em países muçulmanos, temendo represálias caso a queima do livro sagrado fosse mantida. O próprio presidente tinha se referido aos riscos para as tropas americanas no Iraque e no Afeganistão.

¿ Se ele (o pastor Terry Jones) estiver me ouvindo, espero que entenda que o que está propondo é algo totalmente contrário aos nossos valores como americanos ¿ disse Obama em entrevista à rede de TV ABC. ¿ Como comandante das Forças Armadas, quero que ele entenda que a pirotecnia que planeja fazer pode botar seriamente em risco nossos militares no Iraque e no Afeganistão.

Obama disse que imagens da fogueira de Alcorões, se transmitidas para o mundo muçulmano, seriam um presente para a al-Qaeda. Antes do presidente, figuras do primeiro escalão do governo, como a secretária de Estado, Hillary Clinton, e o comandante das tropas no Afeganistão, general David Petraeus, já haviam advertido sobre os riscos. O porta-voz do Pentágono, Geoff Morrell, confirmou o telefonema do secretário Gates, um gesto sem precedentes, que causou muita controvérsia nos Estados Unidos.

49% dos americanos ¿desfavoráveis¿ ao Islã

Alguns protestos já foram registrados nos últimos dias no Paquistão e no Afeganistão, onde manifestantes queimaram a bandeira dos EUA. Os líderes de importantes países muçulmanos, no entanto, se uniram a dirigentes ocidentais para pedir moderação, ainda que condenando o gesto do pastor evangélico. No Iraque, o primeiro-ministro Nuri Kamal al-Maliki divulgou em sua página na internet mensagem dizendo que ¿todas as medidas¿ deveriam ser tomadas para prevenir esse ato. Os líderes da Indonésia e da Índia pediram a intervenção do presidente Obama.

Na entrevista à ABC, Obama se disse frustrado com o fato de ter que lidar com um caso de um pastor com poucas dezenas de seguidores, mas afirmou que as leis não previam repressão a esse tipo de ato. As garantias de liberdade de expressão e de liberdade religiosa pela Constituição dos EUA, frequentemente citadas na polêmica da mesquita, são as mesmas que impediam uma intervenção policial.

Toda a comoção envolvendo o 11 de setembro ocorre em um momento emocional, com a celebração do Eid al-Fitr, o fim do Ramadã, e do feriado judeu do Rosh Hashaná. Pesquisa divulgada pelo jornal ¿Washington Post¿ e a rede de TV ABC mostrou que 49% dos americanos têm uma opinião desfavorável sobre o Islã, o índice mais alto desde 2001. Mais de dois terços dos entrevistados se disseram contrários à construção de uma mesquita nas proximidades do Marco Zero do WTC.

O bilionário Donald Trump encontrou outra maneira, bem americana, de tentar resolver a polêmica da mesquita: fez uma oferta para comprar a parte do acionista majoritário do empreendimento ¿ um centro cultural de 15 andares¿, pagando 25% acima do valor de mercado. Para Trump, a distância mínima do WTC seria de cinco quadras.