Título: Inflação sobe só 0,04%. Em 12 meses, fica na meta
Autor: Spitz, Clarice; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 10/09/2010, Economia, p. 33

Queda de 0,24% nos alimentos ajuda a segurar IPCA, mas álcool tem alta de 4,12%. BC vê país pronto para juro menor

RIO e BRASÍLIA. Pelo terceiro mês seguido, a inflação oficial ficou perto de zero. Em agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado nas metas de inflação do governo) subiu apenas 0,04%, informou ontem o IBGE. Com isso, nos últimos 12 meses, o IPCA acumula alta de 4,49% foi a primeira vez este ano que o índice acumulado ficou abaixo do centro meta do governo, que é de 4,5%. Não por acaso, na ata da última reunião que decidiu sobre a taxa básica de juros da economia brasileira, divulgada ontem, o Banco Central (BC) avalia que o país está pronto para conviver com patamares de juros mais baixos e que não geram inflação.

Em agosto, o recuo de 0,24% nos preços dos alimentos ajudou a segurar a inflação. Mesmo com quedas expressivas da batatainglesa (22,40%) e do feijão carioca (11,23%), o preço da carne subiu com força, 2,11%, devido ao efeito da seca nos pastos.

O preço do álcool combustível também avançou bastante: 4,12%, contra alta de 1,52%, em julho. E a gasolina saiu de um aumento de 0,13% em julho para 0,75% em agosto.

Ainda não conseguimos fechar o porquê desse movimento.

Há notícias da valorização do etanol no mercado internacional, o Brasil está exportando e o preço está se valorizando afirma Eulina dos Santos, do IBGE.

Para analistas, no entanto, a inflação dentro do centro da meta será temporária e a tendência para os próximos meses é de alta nos preços.

Vamos ver uma virada nos preços de alimentos no mês que vem afirma Cristiano de Souza, do banco Santander, que prevê o IPCA em 5,5% este ano.

A economia aquecida também deve pressionar a inflação nos próximos meses. A previsão do mercado é que a economia brasileira vai crescer pelo menos 7% este ano.

Não há espaço para ficar dentro da meta (de inflação) porque a demanda doméstica está muito aquecida afirma Gian Barbosa, economista da Tendências consultoria.

Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) realizada semana passada, que decidiu manter a taxa básica Selic em 10,75% ao ano e interromper um ciclo de três altas seguidas o BC argumenta que o amadurecimento do regime de meta de inflação, implementado há uma década, aliado ao cenário internacional desinflacionário, permite que o país trabalhe com o atual nível de taxa de juros neutra.

Para BC, inflação hoje é contida com mais eficiência Traduzindo, o BC refere-se à taxa real de juros, já descontada a inflação e que hoje está em torno de 6% anuais. Há dois anos, antes da crise internacional atingir seu pico, essa taxa no país estava na casa de 9%. Em 2003, estava em 16%. Pela ata, o BC diz que atualmente pressões inflacionárias são contidas com mais eficiência por meio de ações de política monetária.

Diante desse cenário, os analistas reforçaram a tese de que a Selic se manterá nos atuais patamares até o primeiro trimestre de 2011. Neste ano, o Copom se reúne mais duas vezes: em outubro e em dezembro.

Apesar do tom mais confiante na ata, o BC não deixou de receber críticas. Para o presidente da Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, ainda existem riscos importantes que podem colocar em xeque a visão do BC sobre o novo patamar de juro neutro do país. Entre eles, a atividade ainda aquecida e o nível de indexação da economia.

A nossa taxa de juros real não é mais de 9%, mas afirmar que é 6% pode ser um pouco precipitado ponderou Póvoa.

Na ata de ontem, o BC também reduziu suas estimativas para a inflação, sem no entanto revelar os números, e argumentou que o país já dá sinais de crescimento sustentável a longo prazo. A economista sênior para América Latina do Royal Bank of Scotland (RBS), Zeina Latif, concorda com as avaliações do BC, mas diz que é preciso ficar atento à recente alta nos preços das commodities, sobretudo de alimentos.

A ata também chamou a atenção pelos recados aos economistas mais críticos ao BC, algo que a autoridade monetária não costuma fazer. Num trecho, o BC diz que as estimativas mais pessimistas sobre o nível atual da taxa de juro real neutra tendem, com probabilidade significativa, a não encontrar amparo nos fundamentos.