Título: O velho Senado
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Fonte: Correio Braziliense, 05/07/2009, Opinião, p. 18

Com esse título, Machado de Assis publicou, em 1899, um célebre texto sobre o Senado, cujas atividades acompanhou desde 1860, no Solar do Conte dos Arcos, no Campo de Santana, hoje Praça da República, no centro da antiga capital federal, o Rio de Janeiro, onde funcionou a Casa de 1826 a 1925. Escritor já consagrado, reconstituiu a instituição e os homens que a integravam com olhar do jovem repórter do Diário do Rio de Janeiro, jornal em que trabalhou.

¿Diante daqueles homens que eu via ali juntos, todos os dias, é preciso não esquecer que não poucos eram contemporâneos da maioridade (1840), algum da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte (1824). Tinham feito ou visto fazer a história dos tempos iniciais do regímen, e eu era um adolescente espantado e curioso¿, registra o patrono da literatura brasileira.

Poucos se dão conta de que o Estado nacional e a integridade territorial do país, como obra política, são legados do Senado. Sem ele, a partir da maioridade de Dom Pedro II, seria impossível conciliar os interesses das províncias, que lutavam por autonomia, e os da União, que até então recorrera à força bruta para manter as fronteiras ameaçadas pelas nações vizinhas e revoltas separativistas. Era um colégio de aristocratas, de ampla maioria escravocrata, com mandatos vitalícios e toda sorte de privilégios, que retardou a abolição para manter o Império, mas sobreviveu à República, que ajudou a consolidar. Foi no Senado que se forjou a mais refinada forma de manter a paz entre os brasileiros: a política de conciliação.

É muita ingenuidade acreditar que tal política, graças à qual transitamos à democracia e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu a estabilidade de seu governo, sobretudo nos piores momentos da crise do mensalão, não cobraria um preço: a reprodução dos privilégios cujas origens estão lá nos personagens descritos por Machado de Assis. Os líderes do Senado ¿ ex-governadores e ex-ministros, em sua maioria ¿ são caciques políticos regionais, cujo apoio ao poder central sempre se deu em troca do prestígio e da reprodução do sistema de poder local. Não é à toa, portanto, que das entranhas de sua burocracia, o patrimonialismo e o nepotismo vicejem como ervas daninhas.

Houve a época do senador vitalício, nomeado pelo imperador. E também a do senador biônico, inventado pelo regime militar. Mas, em que pese tudo isso, o Senado acompanhou as mudanças. Lentamente ¿ um olho na sobrevivência das oligarquias; outro, nas aspirações populares. É mais ou menos o que acontece nessa crise ética que se abate sobre a Casa. O velho Senado agoniza, enquanto o novo está por nascer. No epicentro da crise, o presidente José Sarney (PMDB-AP) vive o drama da fábula do homem da caverna de Platão. E nos remete mais uma vez ao conto de Machado de Assis: ¿Quanta coisa obsoleta!¿