Título: Uma campanha para além das eleições
Autor: Vasconcellos, Fábio; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 14/09/2010, O País, p. 16

Candidato do PCB ao governo defende royalties para estados mais pobres e aumento de ICMS para grandes empresas

Professor de engenharia da UFRJ, o candidato ao governo do Rio pelo PCB, Eduardo Serra, 54 anos, defende a reestatização do sistema de transporte e saúde, e diz que, se eleito, pretende aumentar a alíquota de ICMS para as grandes empresas. Para o candidato, os royalties do pré sal devem ser distribuídos com estados mais pobres. Segundo entrevistado na série de sabatinas do GLOBO com os candidatos a governador do Rio, Eduardo Serra não demonstra preocupação com o fato de ter apenas 2% das intenções de voto nas pesquisas e diz que sua campanha é ¿para além das eleições¿.

O GLOBO: No programa de governo do senhor, só existem propostas para o Brasil. O senhor é candidato de uma causa ou ao governo do Estado do Rio? EDUARDO SERRA: As duas coisas. O que está registrado no TSE é o programa nacional do PCB. Ele é voltado para a Presidência. Quando defendemos a democracia de participação direta, dos conselhos populares, com a qual pretendemos governar, estamos falando de propostas também aplicáveis ao Rio.

O GLOBO: O senhor defende a reestatização do sistema de transporte e saúde. Onde ela resultou em serviços melhores? EDUARDO SERRA: Barcas, trens e metrô já transportaram muito mais passageiros do que hoje. A privatização desses segmentos não resultou na expansão desses serviços, nem em melhoria. Pelo contrário, o metrô hoje está com problemas. As barcas regularmente entram em crise. Nos países da Europa, por exemplo, esses setores sempre foram públicos como forma de fomentar o desenvolvimento e garantir direitos sociais

O GLOBO: Mas o senhor acha factível a manutenção desse sistema reestatizado? EDUARDO SERRA: Não será um sistema gratuito. Nós achamos que o sistema tem que se autossustentar. Os estudos que nós temos apontam para um sistema integrado, com empresas públicas de ônibus, barcas, trens e metrô, nós podemos ter uma tarifa reduzida, sem ter prejuízo. Nós queremos fazer isso de forma gradativa. Não vamos tomar de assalto.

O GLOBO: O senhor defende que os royalties do petróleo vão para estados com menor IDH? EDUARDO SERRA: Defendemos a manutenção dos contratos atuais porque o Rio foi lesado na Constituição de 1988, com a perda da tributação de combustíveis que ficou no destino. Sobre o uso dos royalties atuais, eles deveriam ser redimencionados. Deveria ser rubricado primeiro para pesquisa de energia alternativa, segundo para a prevenção de acidentes ambientais e terceiro para as áreas sociais. Com os recursos provenientes da exploração da camada do pré-sal, o que propomos é que (a distribuição) seja na razão inversa do IDH. O estado que tem menos recursos receberia um pouco mais.

O GLOBO: Qual sua política para as UPPs? EDUARDO SERRA: Não se pode combater a violência apenas com a ação policial. Nós defendemos uma polícia civil unificada, absorvendo a atual polícia militar e civil. Entendemos que o enfrentamento militar da violência e do crime leva à criminalização da pobreza. Queremos essa polícia civil renovada presente em todas as áreas.

O GLOBO: Mas o senhor acabaria com as UPPs? EDUARDO SERRA: As UPPs têm um lado bom, que é estar presente em locais onde há violência. Eu transformaria a natureza delas para algo mais abrangente. Nós achamos que a política de segurança tem que passar pelos conselhos populares, para que as pessoas possam opinar sobre o que deve ser feito.

O GLOBO: Por que o PCB não se aliou ao PSTU e ao PSOL? EDUARDO SERRA: Temos a intenção de criar uma frente anticapitalista, anti-imperialista, que apresente um projeto de uma outra sociedade. Procuramos trabalhar com essas forças políticas. Houve alguns problemas (para a aliança com os partidos nestas eleições). Não se conseguiu chegar a um programa de governo, e isso criou uma dificuldade grande. Tentamos (uma aliança) até a véspera do lançamento das candidaturas.

O GLOBO: O senhor defende concurso público, reestatização de empresas. Hoje, 80% do estado estão comprometidos com repasses legais. Onde o senhor vai arrumar recursos? EDUARDO SERRA: O programa é nacional. A gente tem a intenção de propor um novo pacto federativo, uma nova matriz tributária, que se possa taxar as grandes fortunas. E rever a questão da dívida. Com a reestatização, teremos os lucros dessas empresas à disposição do estado e poderemos gerar outras receitas.

O GLOBO: Sem o PCB na Presidência, parte do programa do senhor está prejudicado... EDUARDO SERRA: Não, porque essa luta é contínua. Não precisa ter a Presidência. Tem que ter a sociedade engajada nessa luta. Por isso nossa campanha é para além das eleições. Ganhando ou perdendo. Se isso vira uma onda de pressão política e de pressão social, as coisas vão acabar acontecendo.

O GLOBO: O senhor acabaria com as UPAs? EDUARDO SERRA: Eu transformaria. Há que haver unidades de emergência espalhadas pela cidade, sim. Mas não com equipamento alugado e exame terceirizado em empresa privada. Eles militarizaram a ação da UPA. Um sistema integrado, que possa permitir o Médico de Família, a saúde universalizada, sem proibir nenhuma clínica privada de funcionar, é uma proposta extremamente justa e não é só dos países socialistas.

O GLOBO: Qual seria sua política para ICMS? EDUARDO SERRA: Alteraríamos. A palavra é redistribuir. Alguém perde e alguém ganha. Quem perde? As grandes empresas. A Siderúrgica do Atlântico, por exemplo, que vai aumentar em cerca de 50% o índice de emissão de partículas sólidas deu de compensação à prefeitura R$ 30 milhões. O prejuízo para o estado é enorme. Então eu aumentaria, incidindo ICMS sobre grandes empresas, sobre propriedades no campo. Diminuindo a incidência sobre microempresas, porque essas precisam de apoio, essas geram muito emprego.

O GLOBO: Como um candidato anticapitalista, com 2% das intenções de voto, capta recursos para a campanha eleitoral? EDUARDO SERRA: A gente capta poucos recursos porque os capitalistas não dão recursos para nós. Os socialistas dão, mas são de pouca renda. Mas o tipo de campanha que nós fazemos também não exige muito recurso. Mesmo que tivéssemos muito, não pagaríamos pessoas para segurar bandeira, não faríamos empastelamento de ruas. Nós trabalhamos com voluntários.