Título: Entre dois mundos
Autor: Costa, Mariana Timóteo Da
Fonte: O Globo, 14/09/2010, Opinião, p. 7

Desde que assumiu o governo da Venezuela, em 1999, Hugo Chávez enfrentou mais de uma dúzia de votações, entre referendos para criar uma Assembleia Constituinte e mudar a Constituição, aprovar sua gestão, dar-lhe poderes para governar por decreto, aprovar sua permanência no poder ¿ além de eleições legislativas e duas presidenciais: em 2000, já sob a nova Carta; e em 2006, quando se reelegeu até 2012.

Em todas, sofreu somente uma derrota política, em 2007, quando o povo venezuelano disse ¿não¿ a reformas constitucionais que reforçariam ainda mais o chavismo bolivariano. A rejeição foi praticamente ignorada por Chávez, que vem intensificando, nos últimos anos, seu controle sobre o aparato estatal. Um determinante para isso, justamente, é o fato de a Assembleia Nacional (AN) ¿ no unicameral Congresso após a extinção do Senado defendida por Chávez e aprovada na Constituição de 1999 ¿ ser majoritariamente controlada por deputados do PSUV, o poderoso partido idealizado pelo líder que uniu a maioria das legendas esquerdistas. E é este Congresso de 165 integrantes que será renovado nas eleições do próximo dia 26, em que 17 milhões de venezuelanos estão registrados para votar.

Tanto para defensores do socialismo do século XXI como para a oposição, trata-se de uma votação fundamental, que pode levar a Venezuela a dois cenários distintos. Se Chávez conseguir eleger a maioria dos deputados, poderá continuar radicalizando seu modelo de governo que hoje, além do Congresso, controla o Tribunal Supremo de Justiça, o Banco Central da Venezuela e a indústria petrolífera. Se a oposição obtiver a maioria, poderá barrar a aprovação de leis como a das Comunas, cujo objetivo é esvaziar o poder de estados e prefeituras, criando um modelo de produção e organização social semelhante ao da extinta União Soviética.

Com maioria na Câmara, os contrários em transformar a Venezuela num país socialista esperam levar gradualmente o país a um cenário mais democrático ¿ o que poderia derrotar Chávez em 2012. Só que a culpa do esmagamento da oposição não pode ser creditada apenas ao líder bolivariano. Em 2005, os partidos contrários ¿ alegando que a votação seria injusta e fraudulenta ¿ retiraram suas candidaturas à AN. ¿Foi um erro que nos desarticulou ao longo dos anos¿, admitiu recentemente ao GLOBO Delsa Solórzano, uma das diretoras da Mesa de Unidade Democrática (MUD), que reúne 22 partidos e organizações opositoras para estas eleições, numa tentativa de fortalecer o bloco.

O problema é que, nos últimos meses, a oposição não conseguiu apresentar uma plataforma política capaz de combater o poder do PSUV. Não surgiram lideranças significativas e está difícil aproveitar a histórica queda de popularidade de Chávez ¿ pela primeira vez na casa dos 40%, devido especialmente à recessão econômica e aos níveis galopantes de criminalidade.

É verdade também que, do seu lado, Chávez evita a todo custo o debate político: afina o discurso bolivariano, estimula o populismo, controla o câmbio, cria crises internacionais como a recente com a Colômbia para não lidar com os problemas internos. Persegue opositores. Além disso, a maquinaria política do PSUV claramente pode se beneficiar das leis eleitorais venezuelanas (pré-Chávez, é bom frisar), que implicam uma desproporção entre votos e cadeiras no Parlamento, combinando lista proporcional com eleições majoritárias por distrito.

Mas, de acordo com analistas, a oposição conseguiria reverter este quadro caso tivesse se organizado melhor. Ela ainda tenta. Mesmo se não ganhar a maioria, o mais provável, certamente aumentará seu espaço na Assembleia. Nos dois casos, já será interessante acompanhar como Hugo Chávez vai reagir ¿ pela primeira vez em cinco anos ¿ a vozes dissonantes dentro do governo. E num momento em que o presidente bolivariano anda mais radical do que nunca.

MARIANA TIMÓTEO DA COSTAé jornalista.