Título: Sou amigo há 30 anos, fui chefe dela
Autor: Camarotti, Gerson; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 14/09/2010, O País, p. 10

Indicado por Erenice, presidente dos Correios nega qualquer irregularidade

ENTREVISTA David José Matos

Há 40 dias no cargo, e escolhido pelas relações pessoais e de trabalho com a ministra Erenice Guerra, o presidente dos Correios, David José de Matos, conversa diariamente com ela. São amigos há 30 anos. Matos negou favorecimento à MTA, que presta serviços à estatal e teria contratado um dos filhos da ministra, Israel Guerra. O presidente dos Correios afirmou que nunca tratou do assunto com Erenice, e atribuiu o noticiário sobre o caso a um complô eleitoral.

Evandro Éboli e Martha Beck

BRASÍLIA

O GLOBO: Qual é a relação da empresa Capital Assessoria com os Correios? DAVID JOSÉ DE MATOS: A Capital para nós não existe. Desconhecemos. Não tem nada a ver com os Correios. Em momento algum.

Qual relação do senhor com a ministra Erenice Guerra? MATOS: Sou amigo dela há 30 anos. Fui chefe dela na Eletronorte. Essas questões que aconteceram recentemente com os Correios desgastaram a diretoria que estava aí. Chegou num momento que foi preciso uma intervenção. E eu, que não tinha nada com isso, estava no meu canto, na Novacap, o melhor cargo do Brasil. Aí, a Erenice me chamou, e disse que precisava de mim. E ainda brincou: preciso de você numa empresinha. O presidente (Lula) pediu que eu fizesse. E, de início, nem falou que empresa era. Era os Correios. Só se chama para trabalhar com você pessoas que conhece. Não vai chamar quem nunca viu na vida. Sou um gestor com mais de 35 anos de experiência.

E um dos filhos dela, Israel Guerra, o senhor o conhecia? MATOS: Há trinta anos, quando tinha dois ou três anos.

O que acha dessa história? MATOS: O que teremos em 3 de outubro?

O senhor acha que há componente eleitoral? MATOS: Você acha que não?!

O senhor já o viu aqui ou o recebeu? MATOS: Nunca.

E Vinícius Castro (sócio de outro filho de Erenice na Capital). MATOS: Estou aqui há 40 dias e nem o conheço.

Tem falado com Erenice? MATOS: De sexta (quando estourou o episódio) para cá, não. Mas nos falamos todo dia, sobre os franqueados (concessão de franquias de lojas dos Correios). Fiz várias reuniões com ela.

Nunca trataram de MTA? MATOS: Esse assunto surgiu de quinze dias para cá. Já soltamos nota desmentindo. Nunca tocamos nesse assunto. O assunto franqueado tomava 90% do meu tempo. E, na sexta, estourou essa bomba. Estamos bastante tranquilos.

O senhor tem alguma ligação político-partidária? MATOS: Com o PMDB. Há anos.

Como o senhor analisa o papel do diretor Eduardo Artur (coronel Artur) no episódio. Ele trabalhou na Martel, empresa que prestava assessoria à MTA. MATOS: O Artur, como o chamamos aqui, sempre militou nesse meio. Essa deve ter sido uma das razões de ter sido escolhido para vir para cá. É um especialista. Em 23 de julho, ele mandou uma carta para a diretoria da Anac e dizia que havia deixado a diretoria de todas as empresas. Ele saiu da Martel em 2008, quando foi para a Variglog. E ainda pediu para o site da Anac excluir seu nome, que ainda constava como sócio. E não há relação alguma da Martel com MTA aqui dentro. E relação da Martel com os Correios não existe.

E como se deu a contratação da MTA? MATOS: Cancelamos um contrato, com a TAF, e precisávamos de um contrato de emergência, com rito mais rápido, você come alguns passos. A MTA (que disputou sozinha) ganhou, só que com preço superior a 60% do valor de referência. Se quiséssemos fazer alguma mutreta diria que, já que deu 60% acima, estou precisando e tal... (contrato de R$ 19,6 milhões). Mas não. Cancelamos esse contrato. Fizemos novo pregão. A MTA ganhou novamente, mas não apresentou documentação. Foi desclassificada. Ganhou a Rio (contrato de R$ 44,6 milhões). Mas a MTA obteve liminar e manteve contrato anterior. O pregão que a Rio ganhou era para substituir o emergencial, que era precário. Estamos brigando na Justiça.

A revista "Veja" afirma que a concessão da MTA na Anac foi renovada em situação suspeita. MATOS: A reportagem da ¿Veja¿ diz que a renovação foi prorrogada rapidamente pela presidência da Anac para favorecer a MTA em licitação do governo. A licitação dos Correios só ocorreu em fevereiro, dois meses depois. Não tinha razão para alguém fazer lobby para a Anac.