Título: Segundo mergulho à espreita
Autor: Godoy, Fernanda; Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 12/09/2010, Economia, p. 33

Economistas sobem para até 75% chances de EUA entrarem em nova recessão, arrastando o mundo

Fernanda Godoy*, Fernando Duarte* e Lucianne Carneiro NOVA YORK, LONDRES e RIO

Dois anos depois do colapso do banco Lehman Brothers, que marcou o auge da crise econômica mundial, o temor de uma nova recessão é cada vez maior. A probabilidade de um segundo mergulho (double dip) ou de uma recessão em W cresce dia a dia. Os indicadores mais recentes de Estados Unidos, Europa e Japão mostram desaceleração no ritmo de recuperação das economias e fortalecem a perspectiva de que o mundo ainda vai enfrentar muitos anos de crescimento econômico medíocre.

Em 2009, a economia global entrou em recessão, puxada por uma queda de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) americano, após o mundo crescer acima de 5% durante dois anos seguidos.

E agora, no segundo aniversário do fatídico 15 de setembro quando o quarto maior banco de investimento dos EUA quebrou e mergulhou o planeta na maior crise desde os anos 30 , o clima é de incertezas.

Muitos economistas de peso, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, acreditam que os pacotes de estímulo aprovados nos governos Bush e Obama, que produziram bons resultados iniciais, são insuficientes para manter um crescimento sustentado. Na Europa, a política de austeridade fiscal de alguns países apresenta boas perspectivas para o longo prazo, mas para alguns seu impacto a curto prazo compromete ainda mais a recuperação.

Um crescimento recessivo, diz banco

Carmen Reinhart, coautora de Oito séculos de delírios financeiros Desta vez é diferente (lançado no Brasil este ano pela editora Campus), um monumental estudo de 800 anos de crises financeiras, levou ao último simpósio do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), a desanimadora mensagem de que os Estados Unidos devem se preparar para uma década inteira de baixo crescimento e alto desemprego.

Apenas a ameaça de um novo mergulho fenômeno raro e que ocorreu na crise de 30 assusta o mundo. Economistas revisaram para cima nas últimas semanas as chances de nova recessão nos Estados Unidos, arrastando o resto do mundo, para algo entre 25% e até 75%. A maioria das previsões está em torno de 30%, mas Nouriel Roubini, que previu a atual crise, crava a probabilidade de 40%, e a maior aposta (75%) é do professor Barry Eichengreen, da Universidade de Berkeley, na Califórnia.

A Moodys Analytics área de pesquisa da agência de risco ampliou a expectativa de uma nova recessão americana de 20% para 30%. E já inclui em suas projeções uma leve recessão na Europa no primeiro semestre de 2011, com queda de até 0,5 ponto percentual na atividade.

Há claramente um consenso, estimulado pela fraqueza da atividade econômica, de que aumentou a chance de recessão, mas ainda consideramos maior a probabilidade de uma recuperação gradual e lenta nos próximos dois anos diz o diretor para América Latina da Moodys Analytics, José Alfredo Coutiño.

Para o diretor da divisão de Previsões Globais da Economist Intelligence Unit (EIU), Robert Ward, a confiança do consumidor está muito frágil e a expectativa é de uma recuperação muito lenta e volátil.

Nós tivemos a maior crise desde os anos 30. Não se trata de ser pessimista, mas (o baixo crescimento econômico) é a nova normalidade, temos de nos acostumar afirma Ward.

A avaliação de muitos é que, mesmo que uma nova recessão não ocorra, esta será a sensação. O Bank of America Merrill Lynch usou até mesmo a expressão crescimento recessivo, em que a expansão não é suficiente para evitar aumento do desemprego.

Acredito no risco do duplo mergulho ou, mais provavelmente, no desaquecimento da economia. Mas seja recessão formal ou não, a percepção será de recessão diz o presidente do Eurointelligence e editor associado do Financial Times, Wolfgang Munchau.

2010 foi ano de frustrações seguidas

Economistas com vasta experiência no mercado, como Robert Steven Kaplan, ex-vice-presidente do Goldman Sachs, atualmente professor de Harvard, e Paulo Vieira da Cunha, exdiretor do BC e fundador do Tandem Global Partners, acreditam em um longo período de crescimento baixo, na taxa de 2% ao ano, mas ainda não veem um cenário de recessão em W.

Eu ainda acho que é improvável.

Crescimento acima de 2% é difícil. O motivo é a necessidade de desalavancagem.

A parte complicada é reduzir o endividamento das famílias e ao mesmo tempo manter o estímulo necessário para contrabalançar os efeitos negativos sobre o crescimento. E tudo isso sem piorar ainda mais o endividamento do governo diz Kaplan.

Na avaliação de Vieira da Cunha, 2010 foi um ano de frustrações seguidas, com a contaminação do processo político, a crise da Grécia e a preocupação crescente com o endividamento dos governos, o que gerou grandes incertezas: Acredito que teremos crescimento abaixo de 3% nos EUA nos próximos anos, e veremos um dinamismo bem menor do que nos acostumamos a ter afirma.

A principal preocupação no momento é com o desemprego, que está em 9,6% (contra 4,4% antes da crise) e atinge 14,9 milhões de pessoas nos EUA. Mas a atividade do setor imobiliário também está aquém do que se esperava e é um alerta. Segundo Antulio Bomfim, analista da Macroeconomic Advisers, para que o desemprego caia, a economia precisa ter desempenho melhor do que sua taxa potencial de crescimento (que nos EUA é de 2,5% ao ano), e isso não está ocorrendo.

Bomfim, economista que fez carreira no Fed, avalia que o BC americano ainda tem recursos para reaquecer a economia, apesar de a taxa de juros estar quase zerada.

Já as chamadas reformas estruturais, cuja importância foi tão aclamada no pós-crise, pouco avançaram. Os desequilíbrios das economias desenvolvidas permanecem, como os déficits fiscais, e em muitos casos se agravaram. Para enfrentar a crise, governos em geral se restringiram a ações emergenciais. E isso deixa as economias ainda mais suscetíveis a novos problemas no futuro.

Mesmo nos países que avançaram em cortes de gastos, como alguns europeus, há questionamentos. Depois de um 2009 em que só um país, a Polônia, registrou crescimento, e de um primeiro semestre de 2010 em que a Grécia precisou ser socorrida ao mesmo tempo em que Irlanda e Portugal tiveram sua classificação de risco rebaixada, a economia europeia viu uma réstia de luz no fim do túnel com os sinais de recuperação de Alemanha, França e Reino Unido. No entanto, o continente se vê às voltas com um dilema pra montar suas estratégias a longo prazo e evitar o que analistas chamam de mergulho duplo na recessão.

De um lado, há sombra do inchaço nas contas públicas decorrente dos estímulos fiscais e financeiros para conter o abalo global. Do outro, a necessidade de manter a economia em movimento. Por enquanto, a corrente favorável à austeridade está em vantagem. Os principais países europeus já anunciaram programas de cortes significativos nos gastos públicos, como a Grécia, cujo orçamento para 2010 foi encolhido em 40%.

Até a Alemanha, que cresceu 2,2% no segundo trimestre, anunciou semana passada cortes da ordem de C 80 bilhões nos próximos quatro anos, ainda que o ministro das Finanças, Wolfgang Schaeuble, tenha negado que se trata de um pacote de austeridade, classificando a medida de estratégia de redução de déficit amigável em relação ao crescimento econômico.

Só que, ao mesmo tempo em que cardeais da economia europeia, como o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, endossam os cortes, há vozes que alertam para a possibilidade de que o aperto dos cintos estrangule o crescimento.

Incerteza paralisa a economia

Para o professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos José Marcio Camargo, o grande problema é a incapacidade de prever o que vai ocorrer.

As recessões por colapso de crédito são diferentes de outros tipos de recessão, e ainda não se sabe exatamente quais são as consequências dos aumentos dos déficits em países desenvolvidos. Com as incertezas, fica difícil para os agentes investirem e contratarem afirma.