Título: O voto doente
Autor: Saboya Filho, Helio
Fonte: O Globo, 12/09/2010, Opinião, p. 7

A campanha publicitária da Justiça Eleitoral nos adverte que cada escolha traz uma consequência, tendo como mote o voto consciente. A quem considera a mensagem repetitiva, didática ou óbvia demais, recomenda-se, primeiro, examinar o significado da expressão voto consciente e em seguida imaginar quantos eleitores votam, por assim dizer, sem consciência.

Observada a definição do jurista José Carlos Barbosa Moreira, de que o fim da atividade política deve constituir, em teoria, na promoção do bem comum do povo, de consciente deve ser chamado o voto depositado no político que se apresente como o mais apto a promovê-lo. Ao verificarmos que, eleição após eleição, a propaganda institucional empresta tamanha ênfase ao surrado tema, concluímos que a única justificativa plausível para tanta insistência é a existência um grande contingente de eleitores que não vota consciente. Qual seria a outra explicação? Aos antigos votos de cabresto, ao curral eleitoral e ao coronelismo somamse novas e eficazes práticas que aniquilam a mais tênue chance de evolução qualitativa de uma grande parcela do eleitorado. Os disfarces do marketing, as técnicas de cooptação via culto a celebridades (o voto Caras) ou cultos religiosos (o voto Cruzes), aquilo que se convencionou rotular de transferência de voto baseado no prestígio alheio, anabolizado por coligações de ocasião e alavancado por distribuição de bolsas, assim como a fórmula maçante do horário eleitoral gratuito, reduzem para os pouco esclarecidos e inviabilizam para os nada esclarecidos a possibilidade de identificarem o candidato que melhor reúna condições de promover o bem comum e, mais do que isso, o que seja bem comum.

Tem-se aí total supressão do voto consciente. É inevitável. O TSE faz o que pode, mas não legisla. Aplica a lei.

Ocorre que não interessa ao Legislativo alterar um arcabouço jurídico que, ao invés de erradicar o analfabetismo político, o fomenta sistemática e perseverantemente, e que, para dele tirar maior proveito, mantém o voto obrigatório e proíbe o voto nulo, potencializando os efeitos da insciência sobre a consciência. Assim, os muitos eleitores que são mantidos nessa situação aviltante são tocados bovinamente às urnas ou pelo temor da multa eleitoral ou dispostos a votar em a ou b por algo que não significa nada, absolutamente nada, em termos da atividadefim da política: o bem comum.

Enquanto perdurar esse quadro, valerá a sombria previsão de Barbosa Moreira de que persistirá a tendência de políticos mal intencionados a utilizar tudo isso como trampolim para realizar ambições. Já sofremos, mais de uma vez, a praga de líderes carismáticos; nada garante que estejamos eficazmente vacinados contra recaídas.

Haja vacina.

HELIO SABOYA FILHO é advogado.