Título: Papa admite reação lenta da igreja
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 17/09/2010, O Mundo, p. 39

No Reino Unido, Pontífice diz que instituição vive momento de penitência por casos de pedofilia

A RAINHA Elizabeth II e o Papa no Palácio de Hollyroodhouse, em Edimburgo: apesar de anúncio de protestos, polícia contém tumultos

LONDRES. O Papa Bento XVI iniciou ontem sua visita de quatro dias ao Reino Unido antes mesmo de sair do voo que o levou de Roma a Edimburgo, na Escócia: ainda a bordo do avião, e diante de uma plateia de jornalistas, o Pontífice fez seu mais forte pronunciamento sobre a crise dos padres pedófilos ao admitir que a Igreja Católica reagiu de forma lenta nos casos de abusos relatados ao redor do mundo. O Pontífice disse, ainda, que a Igreja vive um momento de penitência por conta do que classifica como uma doença a afetar a capacidade de decisão de alguns sacerdotes:

¿ Foi com tristeza que recebi as notícias de que as autoridades da Igreja não foram vigilantes o suficiente nem se moveram de maneira suficientemente decisiva para tomar as providências necessárias. Nossa primeira prioridade agora é ajudar as vítimas para que elas redescubram sua fé na mensagem de Cristo. É difícil entender como essa perversão dos padres foi possível, mas aqueles sob risco de cometer mais abusos devem ser excluídos da possibilidade de contato com jovens, pois sabemos que se trata de uma doença e precisamos proteger essas pessoas delas mesmas.

Encontro com vítimas é mantido sob sigilo

Sua agenda durante a visita britânica, por sinal, inclui um encontro com vítimas de abusos, como ocorreu em suas passagens pelos EUA e por Malta. Mas detalhes são mantidos em sigilo absoluto pelos organizadores. Bento XVI, no entanto, não desembarcou apenas na defensiva. Ao discursar no encontro com a rainha Elizabeth II, no Palácio de Hollyroodhouse, criticou os avanços do secularismo no Reino Unido e comparou a missão de defesa da fé cristã no país à luta contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial.

¿ O Reino Unido e seus líderes enfrentaram a tirania nazista, que tinha o desejo de erradicar Deus da sociedade e negar condições de humanidade a muitas pessoas, inclusive os judeus. Vamos refletir sobre as lições deixadas e jamais esquecer como a exclusão de Deus, da religião e da virtude da vida pública nos leva a uma visão truncada do homem e da sociedade ¿ argumentou.

Já a rainha saudou a visita como uma oportunidade de estreitar os laços entre a Igreja Católica e a Anglicana, além de elogiar a contribuição católica no auxílio às populações carentes ao redor do mundo.

Depois do encontro com a soberana, participou da procissão em comemoração ao dia de São Ninian, o único santo escocês. Pelo menos 125 mil pessoas acompanharam a passagem do papamóvel pelas ruas de Edimburgo, segundo a polícia.

Ontem, os protestos contra a visita foram tímidos, a ponto de ninguém ter sido preso. Um outdoor da Sociedade Humanista Britânica (SHB), mencionando a estatística de que existem dois milhões de escoceses ateus, foi a manifestação mais visível.

O Papa rezou uma missa campal em Glasgow, segunda cidade mais importante da Escócia. Cerca de 65 mil fiéis participaram da cerimônia, incluindo a cantora Susan Boyle, uma das mais conhecidas personalidades católicas britânicas. Outra, por sinal, é o ex-premier Tony Blair, convertido há três anos e que esta semana publicou um artigo elogioso ao Papa no jornal ¿L¿Osservatore Romano¿, destacando o que chama de coragem intelectual do Pontífice.

O líder da Igreja chegou no fim da noite a Londres, onde hoje visitará uma universidade católica e terá um encontro com a principal autoridade anglicana, o arcebispo de Cantuária, Rowan Williams. No final da tarde, ambos participarão de uma cerimônia ecumênica na Abadia de Westminster. O principal evento de sua passagem pela capital, porém, será uma vigília no Hyde Park, no sábado. No domingo, em Birmingham, ele celebrará uma missa que também marcará a beatificação do cardeal John Henry Newman, famoso por no século XIX ter trocado a Igreja Anglicana pela Católica e defendido uma reaproximação dos dois ramos cristãos.

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