Título: Nas asas do Poder Judiciário
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 30/06/2009, Brasil, p. 11

Já são mais de 2 mil processos em curso envolvendo empresas de aviação e consumidores. Presidente do STJ, órgão que na maioria das vezes dá um ponto final às questões, diz que número ¿não é assustador¿

Sucatas de aviões da Vasp e da Transbrasil no Aeroporto de Brasília: as duas empresas, embora não operem mais, estão na lista dos processos

A enxurrada de ações na Justiça envolvendo companhias aéreas é uma amostra de como é conflituosa a relação entre as empresas e os consumidores no país. Somente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde desemboca a maioria das disputas judiciais sobre o tema, há mais de 2 mil processos em curso atualmente. O número refere-se a apenas algumas das principais companhias brasileiras e estrangeiras (veja quadro). O total de ações é ainda maior.

Uma das mais altas Cortes de Justiça do país, o STJ, muitas vezes, dá um ponto final às quedas de braço entre consumidores e empresários. O tribunal é responsável por uniformizar o entendimento de leis federais no Brasil e, por isso, a última instância da Justiça brasileira em questões que não envolvem diretamente temas ligados à Constituição Federal ¿ tarefa do Supremo Tribunal Federal (STF). Dessa forma, é lá que terminam muitos processos que discutem, por exemplo, extravios de bagagem, acidentes e indenizações por danos morais ou materiais, só para ficar nos principais focos de conflito mapeados pelo STJ.

Ao lado de companhias que atuam no país, figuram no rol de empresas que são parte de ações no tribunal outras já extintas. É o caso da Vasp e da Transbrasil. Juntas, reúnem quase mil processos ainda sem decisão. A Air France, que ganhou as páginas de jornais do Brasil e do mundo por causa do acidente com o voo 447, em que morreram 228 pessoas, também aparece na lista, com 113 processos.

O presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, disse não considerar elevado o número de ações. ¿Não acho assustador¿, afirmou. O tribunal recebe, a cada dia útil, 1.200 casos para julgar, sobre os mais variados temas. ¿A Constituição prestigiou os direitos da cidadania e deu segurança às pessoas. Hoje, os consumidores passaram a postular seus direitos na Justiça. Isso gera demandas de massa, que envolvem grandes empresas¿, completou Asfor Rocha.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem opinião diferente. ¿O alto número de processos é autoexplicativo. Só se demanda quando não se respeita o cidadão. Não se fabricam ações judiciais¿, afirma Cezar Britto, presidente da entidade.

Conflito aéreo O STJ precisa julgar mais de 2 mil ações envolvendo companhias aéreas. Empresas que ainda operam aparecem ao lado de outras que já não estão mais no mercado.

Varig 1.063 processos Vasp 734 processos Transbrasil 211 processos American Airlines 181 processos Air France 113 processos Aerolineas Argentinas 46 processos Gol 42 processos Total 2.209 processos*

*Os números não refletem a totalidade de processos em trâmite no STJ. O tribunal informou que outras empresas também são parte de ações.

Fonte: STJ

O alto número de processos é autoexplicativo. Só se demanda quando não se respeita o cidadão

Cezar Britto, presidente da OAB

Processos milionários

Se, por um lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem mais de 2 mil ações envolvendo disputas entre consumidores e empresas aéreas para julgar, por outro, estão nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) decisões aguardadas por milhares de famílias brasileiras. Caberá ao Supremo bater o martelo sobre duas ações envolvendo a Varig. Uma delas diz respeito a um pedido de indenização bilionário feito pela empresa à União por causa das perdas que a companhia alega ter sofrido em consequência do controle de preços estabelecido durante o governo Sarney. A outra discute a responsabilidade do governo federal por supostos prejuízos ao fundo de pensão Aerus.

O processo envolvendo o Aerus é o mais delicado. O Sindicato Nacional dos Aeroviários briga na Justiça para culpar a União, as empresas dos grupos Varig e Transbrasil e o Aerus por omissões que teriam ocorrido na gestão do fundo. A discussão chegou à Suprema Corte depois que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede no Rio de Janeiro, condenou o governo a pagar as perdas a aposentados, pensionistas e beneficiários de auxílio-doença da Varig e da Transbrasil. A decisão, de caráter provisório, foi suspensa pelo STF até que haja uma solução definitiva para o caso.

Na última vez em que o processo foi discutido, em dezembro de 2008, o próprio presidente do Supremo, Gilmar Mendes, chamou a atenção para a ¿situação de penúria¿ das famílias por causa da quebra do Aerus e de outros fundos de pensão. Mas pediu cautela. O TRF havia condenado a União a desembolsar, por mês, R$ 13,5 milhões ¿ R$ 150 milhões em um ano. A gravidade da situação levou o caso até a Advocacia-Geral da União (AGU).

Enquanto isso, cerca de 8 mil aposentados e pensionistas sofrem. Depois que o Aerus quebrou, eles assistiram à inevitável queda de seus rendimentos. A previsão, segundo a Associação dos Mecânicos de Voo da Varig (Amvvar), é que deixem de receber em dezembro. Isso sem contar os funcionários demitidos que não receberam os direitos trabalhistas, de acordo com a entidade. Muitas pessoas ficaram doentes ou morreram. Há até casos de suicídio. ¿Eu me sinto um excluído. Parece um apartheid trabalhista. Preciso de dentista, de óculos novos, mas não posso pagar¿, relata José Carlos Bolognese, de 61 anos. Comissário de voo aposentado, ele voou durante 30 anos. ¿Só estou pedindo de volta o que paguei. Essa espera é frustrante¿, desabafa. (MD)

O número 8 mil aposentados e pensionistas do setor de aviação aguardam a decisão da Justiça sobre o fundo de pensão Aerus