Título: A criatura e o criador
Autor:
Fonte: O Globo, 17/09/2010, O País, p. 14
Depois de 20 anos na presidência do MDB-PMDB, Ulysses Guimarães foi desalojado do posto no dia 24 de março de 1991 para dar lugar a Orestes Quércia. Foi o começo do seu fim político. Despediu-se assim do partido que chamava de filho:
¿ Na política, mais difícil do que subir é descer. É descer não carregando o fardo podre e sujo da vergonha.
Mas advertiu:
¿ Desço. Vou para a planície, mas não vou para casa. Vou morrer fardado, não de pijama. Vou para a rua, porque o governo desgoverna a rua.
A defenestração de Ulysses Guimarães do cargo de presidente do PMDB foi estimulada principalmente pelos anões do Orçamento, que viam nele o principal obstáculo para as operações corruptas que já realizavam.
Mas a sanha do PMDB contra o seu criador não vinha só da sua chamada banda podre. Nelson Jobim, que se projetou na política graças a Ulysses Guimarães, foi o primeiro a enfrentá-lo. Ulysses queria voltar para a presidência da Câmara. Para isso, estava até disposto a enfrentar a candidatura do deputado Ibsen Pinheiro. Sabia que ganharia. Mas Jobim colocou-se à sua frente:
¿ Se o senhor se candidatar contra o Ibsen, eu me lanço candidato para tirar os seus votos.
Foi aí que ouvi Ulysses Guimarães, pela primeira vez, proferir esta frase:
¿ O dia do benefício é a véspera da ingratidão.
O velho, que dizia não fazer política com o fígado, não rompeu com o Jobim:
¿ Ele me apunhalou pela frente.
De repente, era como se aquele partido quisesse enterrar o seu passado na figura do próprio Ulysses, mas queria enterrá-lo vivo. Alguns poucos amigos, querendo preservá-lo até fisicamente, de não ficar jogado num gabinete comum dos anexos, resolveram indicá-lo para a presidência da Comissão de Relações Exteriores, que tinha instalações confortáveis e status de chanceler da Câmara. Mas o líder do PMDB, Genebaldo Correia, tentou evitar que Ulysses assumisse a comissão. Ao perceber a manobra, Luís Eduardo Magalhães, líder do PFL, reivindicou a comissão para a sua cota e o indicou.
Na crise do governo Collor, Ulysses era contra a CPI do PC. Ao perceber que ela seria inevitável, deu a volta por cima e virou o ¿Senhor Impeachment¿.
Numa reunião, pós-impeachment, para discutir a participação do PMDB no governo Itamar Franco, Ulysses protestou contra a prevalência tucana no ministério. Pedro Simon, seu velho companheiro de jornadas, mas já líder de Itamar, teve uma reação surpreendente:
¿ O Collor tinha razão (Collor chamou Ulysses de ¿gagá¿). Você está ultrapassado no tempo. Isso aqui não é o governo Sarney, em que você mandava e desmandava.
As últimas imagens de Ulysses Guimarães no Congresso exibem bem sua tristeza com aquela reunião.
No dia seguinte, viajou e não voltou.
Hoje, o PMDB faz festa com o seu passado, ostenta o nome de Ulysses, bota na sua boca frases que nunca proferiu.
Sua foto oficial ornamenta as sedes do PMDB em todo o país. Não é apenas uma fotografia na parede, como dizia Drummond de sua Itabira. Ulysses Guimarães é hoje no ¿altar¿ do PMDB aquilo que ele dizia que nunca deixaria o programa do partido ser: santo de bordel.