Título: Tesouro Nacional no limite
Autor: Cristino, Vânia; Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 30/06/2009, Economia, p. 13

Desonerações agravam situação do cofre público e saldo das contas em maio fica em R$ 1,1 bilhão, o pior resultado desde 2001

As medidas oficiais de combate à crise e estímulo ao crescimento bateram em cheio nos cofres do Tesouro Nacional. Além de manter o programa de redução de imposto para automóveis e eletrodomésticos, o governo anunciou ontem a ampliação da queda de tributos para outros segmentos da economia e a drástica redução de taxas de juros cobradas nos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para compra de equipamentos e máquinas em programas como Finame, por exemplo. Essa diferença de taxas também ficará na conta do Tesouro.

O resultado de toda essa desoneração, concedida a alguns produtos desde dezembro do ano passado, chegou às estatísticas oficiais e agravou a situação das contas públicas. Em maio, o superávit primário ¿ receitas menos despesas, sem considerar o pagamento de juros ¿, divulgado ontem pelo Banco Central, resultou em apenas R$ 1,119 bilhão. É o pior resultado da série histórica para o mês (iniciada em 2001) e representa uma queda de 87% na comparação com maio de 2008.

Os números do mês passado já seriam ruins sem a ação anticíclica do governo. Por conta da crise, o nível de atividade da economia está mais baixo e, com isso, a arrecadação também está sofrendo redução. Além disso, na comparação com abril, mês em que o governo arrecada tributos trimestrais, como o Imposto de Renda das Pessoas Físicas, maio já começa em desvantagem. Ele é um mês sempre pior que o anterior.

Compromissos Com o superávit despencando, a relação dívida/PIB (1) sobe, que é um indicador visto pelo mercado como um sinal da capacidade do governo de honrar seus compromissos. A relação dívida/PIB, que estava em 38,8% em dezembro de 2008, alcançou em maio 42,5%. O Banco Central prevê que essa relação melhore um pouco até o fim do ano, quando deverá fechar em 41,4%.

¿A questão que todos estão atentos neste momento é quanto tempo levará para se reverter a trajetória de queda do superávit primário e de crescimento da relação dívida/PIB¿, pondera Raul Velloso, economista especialista em contas públicas. Para ele, os investidores estão atentos a esse indicador comparando com o que tem sido apresentado por outros países. ¿Por enquanto, estamos em uma situação confortável, já que a nossa relação dívida/PIB está se deteriorando em um ritmo muito mais lento do que em outros países.¿

Velloso frisa que hoje a comparação é sempre feita com o resto do mundo. ¿Como todos estão subindo, e o Brasil também, a situação não é dramática. O problema é se a dívida/PIB começar a subir muito mais quando comparada com os demais países. Os investidores poderão sentir insegurança.¿

Para a redução prevista pelo Banco Central para a relação dívida/PIB até o fim do ano, no entanto, o que vai contribuir mesmo não é um maior controle de gastos por parte do governo. É a queda da taxa Selic. Cerca de 64% da dívida líquida total que, em maio, atingiu R$ 1,245 trilhão, é indexada à taxa de juros básica da economia. O efeito da queda da taxa Selic na dívida ainda não foi totalmente sentido.

Petrobras Também contribuiu para a piora das contas públicas a exclusão, pela primeira vez, da Petrobras. As contas da estatal foram retiradas do esforço fiscal pelo governo para que a estatal possa aumentar seus investimentos. De janeiro a maio, a Petrobras foi superavitária em R$ 2,643 bilhões. O superávit primário do setor público (sem a Petrobras) foi de R$ 31,879 bilhões nos cinco meses do ano, o equivalente a 2,69% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse resultado é quase R$ 40 bilhões a menos do que o verificado entre janeiro e maio de 2008.

O economista Raul Velloso afirma que hoje ainda não é possível mensurar o impacto sobre as contas públicas das medidas anticíclicas adotadas pelo governo. ¿Teremos que observar com atenção as próximas divulgações do Tesouro.¿

1 DÍVIDA A relação dívida pública/PIB (Produto Interno Bruto) é um importante indicador da capacidade de solvência dos países e um dos parâmetros mais avaliados por investidores estrangeiros e analistas internacionais na avaliação da situação fiscal das economias. Quanto menor for esse percentual, menor é o endividamento do país e menor sua vulnerabilidade. No Brasil, a relação dívida/PIB vem sendo reduzida gradualmente à medida que a economia se mantém estabilizada e os juros básicos são reduzidos.

O problema é se a dívida/PIB começar a subir muito mais quando comparada com os demais países. Os investidores poderão sentir insegurança

Raul Velloso, especialista em contas públicas

O número 42,5% foi para quanto subiu a relação dívida pública frente ao PIB em maio. Em dezembro, o percentual estava em 38,8%