Título: Volta ao passado
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Fonte: Correio Braziliense, 30/06/2009, Opinião, p. 16

Domingo o continente americano acordou no passado. Militares hondurenhos depuseram o presidente do país em episódio burlesco. Manuel Zelaya dormia quando policiais o retiraram (de pijama) da residência oficial para o exílio. Antes, obrigaram-no a assinar declaração de que havia renunciado ao poder. Na Costa Rica, porém, ele afirmara que havia sido vítima de ¿sequestro brutal, sem nenhuma justificativa¿. Trata-se de mais um capítulo da crise política que se instalou no Estado centro-americano.

O embate teve origem no enfrentamento do Executivo com os demais poderes e o Exército. Zelaya, cujo mandato expiraria em janeiro de 2010, planejava seguir os passos de Hugo Chávez, Rafael Corrêa e Evo Morales ¿ emendar a Carta Magna para assegurar o direito à reeleição. Queria que as eleições gerais de 29 de novembro ¿ quando seriam eleitos o presidente, congressistas e lideranças municipais ¿ tivessem mais uma consulta, sobre a possibilidade de mudar a Constituição. Segundo sua proposta, os eleitores decidiriam se desejavam que se convocasse uma Assembleia Constituinte para reformar a Lei Maior.

A detenção e o exílio do presidente hondurenho lembram tristes episódios protagonizados por líderes latino-americanos ao longo do século 20. No período, contavam-se nos dedos de uma mão os países que escaparam de regimes de força. Graças ao sopro de democracia que varreu o continente, os ditadores foram substituídos por governantes escolhidos nas urnas. Em El Salvador, o candidato do partido guerrilheiro ganhou o pleito e tomou posse. Na Nicarágua, o mesmo ocorreu com Daniel Ortega, líder de movimento de esquerda nos tempos de chumbo. Em suma: quartelaços pareciam página virada.

Presidentes das três Américas condenaram o golpe. Brasil, Venezuela e Estados Unidos manifestaram-se contrários à deposição. A Organização dos Estados Americanos (OEA) convocou reunião de emergência para deliberar sobre as medidas a serem tomadas. Será um teste para o colegiado. Em 1991, a OEA adotou a cláusula democrática. Segundo o texto, o compromisso fundamental dos países-membros é o de respeitar a vontade popular para a constituição dos poderes e a proteção da cidadania.

Espera-se resposta enérgica da comunidade americana. Pensava-se que cenas como as protagonizadas por Honduras não mais teriam palco na América. Tiveram. Coisa velha, sem sentido, deslocado no tempo, o golpe é a triste demonstração de que o espírito democrático ainda não se enraizou suficientemente no continente.