Título: A quadratura do círculo
Autor: Passarinho, Jarbas
Fonte: Correio Braziliense, 30/06/2009, Opinião, p. 17

Foi ministro de Estado, governador e senador.

Quem resolver pacificamente as disputas no Médio Oriente será capaz de demonstrar ser possível fazer também a quadratura do círculo ou resolver uma equação de três membros a quatro incógnitas. Desde que o mundo começou a civilizar-se, com a ocupação agrícola das terras, povos aguerridos atacavam vizinhos, que trabalhavam suas terras sem que se preparassem para defendê-las. A luta pela terra é a estaca zero da formação dos impérios, a começar pelo romano e seu declínio pela ¿invasão bárbara¿ dos hunos de Átila godos e visigodos, até o tempo glorioso de Alexandre, Anibal e Napoleão.

Ao lado das guerras pela posse da terra, com o mesmo vulto vieram as cruzadas contra o mundo muçulmano. O saldo das hostilidades foi muito desfavorável aos cruzados. O domínio muçulmano durou cinco séculos na Península Ibérica e no norte africano. O Império Otomano foi extenso. Na África, ultrapassou as terras dos fenícios, atingindo a Argélia, e na Europa dominou os Bálcãs e a Hungria, chegando a sitiar Viena. Ainda que se objete a tese do cientista político Samuel Huntington, exposta no seu livro polêmico O choque de civilizações, com ele concordo com este período do texto: ¿Alguns ocidentais, dentre eles o presidente Bill Clinton, têm afirmado que o Ocidente não tem problemas com o islã, mas apenas com os violentos extremistas fundamentalistas islâmicos. Mil e quatrocentos anos de história provam o contrário. As relações do islamismo e o cristianismo, tanto ortodoxo como ocidental, foram frequentemente tempestuosas. Cada um foi o outro do outro¿.

Fato recente evidencia o fardo hostil da herança ocidental do milênio a que se refere Huntington. O então presidente Bush, numa entrevista no início da guerra contra o Afeganistão, usou a palavra cruzada como usamos hoje, no entendimento de uma empreitada de grande vulto: ¿cruzada contra o analfabetismo¿, ¿cruzada contra a fome¿. Em eleição para a presidência do Clube Militar, certa feita, uma aliança contra a esquerda fundou a vitoriosa Cruzada Democrática. Bush, em discurso após o atentado que destruiu as Torres Gêmeas de Nova York e uma ala do Pentágono, conclamou os povos europeus a unirem-se numa ¿cruzada¿ contra o terrorismo. Tanto bastou para que muçulmanos, mesmo contrários aos terroristas, protestassem firmemente contra a palavra empregada por Bush.

A crítica azeda ao livro de Huntington deriva do fato de que os críticos acusam o americano de desconhecer a divisão atual dos islâmicos, principalmente entre sunitas e xiitas, o que, no entendimento deles, impediria união maciça para um choque entre o islã e o cristianismo. Aí me intrometo ao lembrar a cruzada dos matemáticos empenhados, sem sucesso, na quadratura do círculo, até hoje insolúvel. Associo isso ao milagre de unir sunitas e xiitas num Estado palestino, convivendo se não fraternalmente ao menos pacificamente com Israel. Os radicais, judeus e palestinos, farão tudo para impedir, como prova o passado recente.

O presidente Sadat, do Egito, sucessor de Nasser, visitou Israel em 1997, o que chamou de uma ¿sagrada missão de paz¿. Recebido festivamente, negociou mais tarde um acordo com Israel em Camp David, com o primeiro-ministro israelense Begin, na presença do presidente Carter. Foi agraciado com o Nobel da Paz. O acordo restituiu ao Egito o Sinai, mas Sadat já fora assassinado pelos radicais de esquerda. As tentativas de pacificação, porém, chegaram a despertar esperanças de paz, quando Clinton hospedou, em Camp David, o líder Arafat, da OLP, que abandonara o terrorismo, e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, de Israel, favorável à criação do Estado palestino. Arafat, infelizmente, recusou a paz. A conduta de Rabin custou-lhe a vida. Ao regressar a Israel, foi assassinado por um jovem universitário radical judeu.

A decisão israelense de manter terras conquistadas é uma regressão aos tempos das guerras coloniais. Entretanto, as colinas de Golan, se devolvidas, dariam aos sírios enorme vantagem topográfica. Poderiam caçar colonos israelenses a curta distância do alto para a planície onde eles estivessem. Imagine-se a reação bestial dos radicais judeus, comparando-se o Sinai, um deserto, com as colinas de Golan. Por menos que isso, resistiram deixar colônias de Gaza. Foram literalmente arrastados pelos militares israelenses. E tudo se agrava com a atividade terrorista, uma funesta tática de grupos populacionais menores contra exércitos poderosos.

Como tentar a paz, quando os terroristas do Hamas desafiam a ONU, atacando Israel, de que não reconhecem a existência? E se por trás há o Irã, cujo presidente nega peremptoriamente a existência do holocausto e fornece armas contrabandeadas para o Hamas? A aviação israelense ataca os túneis por onde entra o armamento. Morrem inocentes. Morrem crianças. Os defensores dos direitos humanos, como sempre unilaterais, inspiram horrorizados uma campanha mundial que condena a ¿guerra desproporcional¿, mas um simples e primário foguete, produzido e fornecido ao Hamas pelo Irã, lançado a poucos quilômetros da fronteira de Israel, ainda mesmo que não cause muitas vítimas pessoais, instala o terror.

Esse é o problema geopolítico importante a desafiar a ¿diplomacia de inteligência¿ de Barack Obama. Estará pronto a tentar solucionar a quadratura do círculo?