Título: Sarkozy dispara contra Europa
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Fonte: O Globo, 16/09/2010, O Mundo, p. 32
Presidente sugere que comissária da UE acolha ciganos em seu país e é apoiado por Berlusconi
PARIS
Sob o fogo aberto pela Comissão Europeia, Nicolas Sarkozy se pronunciou ontem diante de senadores do seu partido, sugerindo à comissária europeia de Justiça e Direitos Humanos, Viviane Reding, autora das críticas contra seu governo, acolher os ciganos em Luxemburgo, seu país natal.
O presidente fez o comentário num almoço no Palácio do Eliseu, um dia após Reding ter tachado a política de Paris de vergonhosa em relação à minoria, evocando as deportações em massa de ciganos promovidas por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial para criticar as cerca de 8.000 expulsões e repatriações levadas a cabo pelo governo desde o início do ano. Sarkozy afirmou que explicará sua posição hoje, em Bruxelas, diante de seus colegas europeus.
¿ Sarkozy disse que nossa política era a correta e que é escandaloso que a Europa se exprima dessa maneira sobre a França. Ele disse que não há motivo para críticas, mas que se os luxemburgueses quisessem levá-los (os ciganos), não haveria problema ¿ contou o senador Bruno Sido, presente ao almoço com o líder francês.
Tentando amenizar as palavras do chefe de Estado, o senador Michel Houel suavizou a declaração.
¿ Ficaríamos felizes se Luxemburgo pudesse acolher alguns ciganos. Não foi bem isso que Sarkozy disse, mas foi o que quis dizer ¿ justificou.
As declarações encontraram eco entre membros do seu governo, que também dispararam contra Reding. O porta-voz do governo, Luc Chatel, qualificou de inaceitável a comparação da situação atual com a Segunda Guerra, enquanto Pierre Lellouche, secretário de Estado dos Assuntos Europeus, considerou as declarações da comissária um deslize.
¿ Não posso deixar Reding dizer que a França de 2010, em seu tratamento dos ciganos, é a França de Vichy ¿ disse Lellouche, em referência ao regime que colaborou com os nazistas durante a Segunda Guerra.
EUA pedem respeito à minoria étnica
Juntando-se ao coro das críticas, o partido de extrema-direita italiano Liga Norte também atacou a comissária.
¿ Eu peço a Reding para confirmar ou desmentir o fato que em seu país, Luxemburgo, não existe acampamentos de nômades porque qualquer estrangeiro que seja pego mendigando é imediatamente expulso ¿ intimou Mario Borghezio, chefe da delegação do partido no Parlamento Europeu.
O premier italiano, Silvio Berlusconi, também apoiou a política de Sarkozy e considerou que a comissária deveria ter tratado a questão de modo privado com a França.
As reações do governo francês levaram a comissária europeia a retirar a comparação com o nazismo.
¿ Lamento as interpretações que desviaram a atenção de um problema que temos que resolver. Em nenhum caso quis estabelecer um paralelo entre a Segunda Guerra e as ações do governo francês atual ¿ disse Reding.
Por sua vez, José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, reforçou a ideia de que Reding não quis comparar a atualidade com o nazismo, mas reiterou seu apoio à comissária.
À tarde, baixando o tom, o Palácio do Eliseu afirmou ter aceitado a retratação de Reding e propôs um cessar-fogo, garantindo que vai dar as explicações pedidas pela Comissão Europeia sobre a circular de 5 de agosto ¿ que mostra que o governo mirava prioritariamente os ciganos na hora de fechar acampamentos ilegais. Em seguida, Sarkozy se reuniu com seus ministros do Interior e da Imigração para formular uma resposta à comissão.
Manifestando-se pela primeira vez sobre a questão, os EUA, por meio de um alto funcionário do Departamento de Estado, convidaram a França e outros países europeus a respeitarem o direito dos ciganos.
Juntando-se à polêmica, o presidente da Bulgária, Gueorgui Parvanov ¿ que até então se absteve da discussão, apesar das expulsões envolverem também ciganos de origem búlgara ¿ condenou a repatriação em massa de membros da minoria.