Título: Um padre executivo e seus muitos euros
Autor: Rocha, Carla
Fonte: O Globo, 19/09/2010, Rio, p. 22

Preso pela Polícia Federal, ecônomo da Arquidiocese é conhecido por seu tino comercial e por salvar negócios da igreja

O PRÉDIO de luxo na Barra onde mora o padre

MONSENHOR Abílio ao assumir o cargo de ecônomo

Para os que ainda têm a imagem de padres abnegados, que fazem voto de pobreza e moram na casa paroquial, a prisão do padre Abílio, ecônomo da Arquidiocese do Rio, há dez dias, revelou uma outra face da vida sacerdotal. Com parte de 53 mil euros não declarada à Receita Federal na mala, o monsenhor Abílio Ferreira da Nova, de 77 anos, é uma espécie de alto executivo da igreja ¿ embora a Mitra informe que ele não recebe salário ¿ e tem uma rotina à altura do cargo, com carro e motorista, viagens rotineiras para a Europa e mordomias num condomínio de luxo de frente para o mar, na Barra. O pecado do reverendo, se é que houve, será julgado pela Justiça dos homens. O Ministério Público Federal acaba de denunciá-lo por evasão de divisas.

Atuação polêmica ao sanear finanças de hospital

Em silêncio desde que foi flagrado, o padre Abílio vai ter que explicar a origem dos recursos, o que, por tabela, deixam, mais uma vez na berlinda, a Arquidiocese, envolvida em escândalos nos últimos anos. De família pobre, o monsenhor chegou ao Brasil aos 14 anos, vindo de Póvoa de Varzim, uma cidade do distrito de Porto, na Região Norte de Portugal. No ano passado, ele celebrou missa na matriz pelos seus 50 anos de sacerdócio.

No seminário, ele optou pela ordem diocesana, o que significa que é o colaborador mais próximo do bispo. Desde cedo, se destacou como administrador e, na década de 90, começou a assumir tarefas espinhosas como a de tentar sanear uma das mais tradicionais instituições religiosas da cidade, a Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Paula. O resultado foi polêmico.

¿ A ordem foi sucateada. Ele pagou as dívidas, mas a instituição não tem mais nada. O cemitério (do Catumbi) que gerava a maior parte dos recursos para os irmãos foi arrendado por um valor vil a uma pessoa da confiança dele e o asilo também. Hoje é uma casa de repouso que cobra pela estadia. A posse do hospital foi transferida para a paróquia dele e depois o prédio foi arrendado por uma fortuna para a Rede D¿Or. Ninguém sabe para onde vai este dinheiro ¿ diz uma associada da Ordem, que prefere manter o anonimato.

O antigo hospital é hoje o Quinta D¿Or. A rede informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que, entre 2000 e 2001, negociou com a Casa dos Pobres ¿ obra social da Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, dona do imóvel ¿ o aluguel do prédio do antigo hospital, de 17 mil metros quadrados, por 20 anos. Foi acordado um preço de mercado, cujo valor não foi divulgado pela rede. Segundo fontes do MP, o aluguel é de R$100 mil. Todo o valor fica com a paróquia de Copacabana. A Arquidiocese informou que o padre não recebe salário por ser ecônomo e tem autonomia sobre toda a arrecadação de sua igreja, inclusive, sem obrigação de fazer repasses para a Mitra.

O monsenhor Abílio substituiu, em 2009, o padre Edvino Alexandre Steckel, que administrava os bens da Arquidiocese do Rio. Edvino foi afastado após denúncias de irregularidades, entre elas a de ter comprado um apartamento de R$2,2 milhões no Flamengo, onde moraria o ex-arcebispo Dom Eusébio Scheid.

Mais sóbrio que seu antecessor ¿ que gostava de bons vinhos e roupas bem cortadas ¿ padre Abílio, que desfrutava de grande reputação junto ao atual arcebispo Dom Orani Tempesta, foi convocado para apagar o incêndio. Muito rigoroso, na época tirou fotos na sala de Edvino, mostrando que ela havia sido decorada com caros móveis de design, afirmando que o padre havia deixado o caixa da igreja zerado. As investigações do caso não foram concluídas.

Pároco da Igreja Nossa Senhora de Copacabana há 27 anos, o padre Abílio é reservado, implacável com o horário das missas ¿ por causa de faltas ou atrasos, pelo menos seis padres já foram convidados a deixar a paróquia ¿ e celebra as cerimônias aos domingos. Comanda seis padres, entre eles, o piauiense José Arimatéa, que é só elogios:

¿ Ele é extremamente generoso. Já presenciei ele tirar da sua caderneta de poupança 30 mil reais para ajudar um padre de Cascadura, que passava necessidade. Não pode ser perseguido só porque tem o dom de multiplicar o dinheiro.

Um padre reservado que não fala de sua vida pessoal

Como manda a igreja, os padres da paróquia de Copacabana têm que sobreviver com 20% dos donativos recolhidos nas missas que ministram. O padre Abílio complementa os valores, que em geral são baixos, para garantir uma remuneração em torno de R$1,5 mil mensais.

Poucos fiéis, talvez por constrangimento, procuraram informações sobre o que aconteceu com padre Abílio.

¿ Uns dois ou três perguntaram alguma coisa. Acho que alguns estão tristes, outros envergonhados ¿ acredita um funcionário.

Uma frequentadora, que trabalha como voluntária, disse que as pessoas estão perdidas:

¿ Na igreja, tem homens bons e homens maus. Só Deus pode julgar.

Os hábitos do monsenhor Abílio são reservados e não gosta de falar de sua vida pessoal. E até agora estaria intrigado sobre quem o teria denunciado já que ninguém sabia que levava dinheiro. Ele mora num condomínio na Avenida Sernambetiba, com piscina, quadra de esportes e academia. O padre comprou o apartamento por R$345 mil em 2000.

Durante a semana, ele divide o espaço da casa paroquial com os outros sacerdotes e, nos fins de semana, vai para a Barra. Ao ser detido, admitiu ter errado ao não declarar as economias feitas durante toda sua vida, que seriam usadas para ajudar parentes portugueses muito pobres. Ele garante que tudo está declarado em seu imposto de renda e que tem posses de família. Procurado, o padre Abílio não quis falar com o GLOBO.

Amigo pessoal do monsenhor, o ex-deputado Carlos Dias trabalhou com o padre Abílio na Rádio Catedral, de 96 até 98.

¿ Em um ano, equilibramos as contas e a rádio passou a ter balanço positivo. É um homem admirável ¿ afirmou. ¿ Acho que houve uma exposição excessiva e se colocou um padre em julgamento por um erro que é reparável. O dinheiro não é de origem escusa. Não são dólares na cueca.