Título: País paga caro para capitalizar a Petrobras
Autor: Franco, Gustavo
Fonte: O Globo, 19/09/2010, Economia, p. 34

Para ex-presidente do BC, seria melhor investir em saneamento. Crítico da Fazenda, diz que alta do real é inevitável

ENTREVISTA

O economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central (BC), critica a capitalização da Petrobras e as intenções do governo de conter a valorização do real, e analisa a situação da economia mundial dois anos após a quebra do Lehman Brothers.

Para o sócio da Rio Bravo Investimento, que na última semana lançou o livro Cartas a um jovem economista, pela Campus-Elsevier, os contribuintes brasileiros precisam se perguntar por que estão gastando bilhões para aumentar a participação do governo na Petrobras.

E, em entrevista ao GLOBO, ataca o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para quem teria faltado pensamento organizado nos recentes comentários sobre dólar.

Bruno Villas Bôas

O GLOBO: O senhor afirma em seu novo livro que, no governo FH, a mãe de todos os debates, em seu caso, era a taxa de câmbio. O real valorizado deveria preocupar tanto? GUSTAVO FRANCO: Eu acho que não. A taxa de câmbio está no mesmo lugar em que estava há 15 anos e indo para baixo, com todos os esforços do governo para evitar que isso aconteça esforços que têm fracassado e que fracassarão. Estamos diante de uma mudança de paradigma cambial. É algo que aconteceu com países que fizeram essa trajetória do Brasil, de economia emergente para desenvolvida.

E nós ainda temos uma década ou duas, pelo menos, para que isso aconteça. Nesse período, vamos ver a taxa de câmbio se apreciando.

Mas o ministro Mantega disse que tem armamento pesado para não deixar cair.

FRANCO: Ele disse que não vai deixar. Eu diria que isso está um pouco além dos poderes dele. Câmbio e juros não são variáveis que a gente escolhe onde vai fixar e fixa. Em vez de o governo pensar no que outros países fizeram para fortalecer a economia, o que vemos são manifestações como as do ministro, que revelam apenas perplexidade e ausência de qualquer diagnóstico e pensamento organizado sobre o tema, o que é uma pena.

O mercado não parece preocupado entre a vitória de Dilma ou Serra. Por quê? FRANCO: Quem vencer estará comprometido com superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação. Os espaços estão reduzidos para essa diferença.

Fora isso, existem muitas diferenças no pensamento econômico dos candidatos. É o caso da capitalização da Petrobras.

E onde está a diferença? FRANCO: O atual governo parece associar um valor imenso à presença estatal nesse investimento, bem maior do que o necessário para assegurar o controle dos empreendimentos.

E por isso o país está pagando muito caro pela capitalização.

O contribuinte se perguntará: por que eu tenho que tirar do bolso bilhões para ter 30% em vez de 15% do capital total da companhia? Não seria melhor investir em saneamento, do que ter mais controle de uma companhia de petróleo? É um erro, portanto, conforme meu ponto de vista.

Economistas apostam cada vez mais em uma nova recessão.

O senhor concorda com essas previsões? FRANCO: A oscilação do PIB, como a da febre no organismo, ocorre quando se está doente.

Mas cada ciclo é diferente do outro. Podem ser recaídas de doenças anteriores. Mas elas permanecem, por sua própria natureza, imprevisíveis. Mas, seguramente, o mundo ainda está traumatizado e dilacerado. Em algumas áreas as feridas ainda estão cicatrizando. No caso americano, é difícil dizer até onde vai o movimento porque o que governa o consumo é a percepção de riqueza e segurança.