Título: Reformas passam longe dos direitos básicos de jornada, férias e FGTS
Autor: Paul, Gustavo; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 19/09/2010, Economia, p. 32

Centrais defendem mudança na legislação sindical e nas contribuições

BRASÍLIA. A reforma trabalhista viável a curto prazo passa bem longe da alteração dos direitos dos trabalhadores, como as férias remuneradas de 30 dias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou a jornada de 44 horas semanais. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, as mudanças deveriam ser pontuais, visando a tornar mais simples a legislação e mirando as novas formas de trabalho, que surgem a partir das novas tecnologias.

O foco das mudanças deve ser mais competitividade para a economia brasileira.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende cinco linhas a serem seguidas.

A primeira é modernizar a legislação, flexibilizando-a e adaptando-a ao mundo atual do trabalho. Neste caso, ela cita a regulamentação do trabalho terceirizado e novas modalidades de contrato de trabalho, que permitam que uma pessoa possa trabalhar em casa usando as novas tecnologias existentes.

Devido à globalização e às novas tecnologias de comunicação, não faz mais sentido todo mundo trabalhar no mesmo local, como se fazia antes diz o professor André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Outro ponto é a redução do custo do trabalho, tanto pelos encargos quanto pelo excesso de penduricalhos na legislação que afeta quem emprega. A terceira é a redução da burocracia, pois nenhum pequeno empresário tem ideia das milhares de normas que tem de seguir. A legislação, defendem os empresários, deveria dar tratamento diferenciado para micro e pequenas firmas.

O quarto ponto é a diminuição da insegurança jurídica, garantindo que as regras estabelecidas sejam simples, razoáveis e estáveis. Para tanto, seria necessário o enxugamento da legislação atual.

Especialistas concordam: O ideal seria uma simplificação da legislação, o que facilitaria as contratações diz José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão.

CUT diz que é preciso evitar os sindicatos de fachada Para viabilizar tudo isso, a indústria diz ser necessário um quinto ponto: estabelecer canais permanentes e equilibrados de diálogo social tripartite, que garantam regras que protejam as empresas nacionais e seus trabalhadores.

Nesta questão, pedem o reconhecimento e o estímulo de mecanismos extrajudiciais para solução de conflitos trabalhistas, como mediação e arbitragem privada.

As mudanças terão de ser pontuais por razões políticas.

As centrais sindicais têm ojeriza à ideia de flexibilizar a legislação trabalhista. Depois de ter apoiado a proposta do governo tucano de flexibilizar a legislação trabalhista, de modo que o negociado entre as partes pudesse prevalecer sobre as normas, a Força Sindical mudou o discurso. Segundo Paulo Pereira da Silva, a prioridade é fazer a reforma sindical, primeiro passo para permitir que o país tenha uma legislação menos rígida.

Primeiro é preciso acertar as regras para depois mexer no jogo. Com um modelo de negociação assim, você não precisaria de uma legislação tão rígida disse o sindicalista.

A CUT evita tocar no tema, mas defende a reforma sindical para inibir a formação de sindicatos de fachada. Todas as entidades, no entanto, são contra o fim do imposto sindical obrigatório, defendendo a criação de uma contribuição negocial, aprovada em assembleia, mas também com caráter impositivo (cobrada de todos os trabalhadores com carteira assinada).

O ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), prefere enaltecer a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de Getúlio Vargas.

Ele se diz contrário a qualquer medida que possa retirar direitos dos trabalhadores.

Um estudo de 2006 feito pelo Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que, com a realização da Reforma Trabalhista, apenas a retirada dos entraves à demissão e da multa quando não há justa causa poderia gerar três milhões de empregos no país.

Na Europa, crise forçou alterações nas leis Para o Ipea, o acesso ao dinheiro do FGTS plenamente vinculado à demissão incentiva acordos entre patrões e empregados, elevando a rotatividade da mão de obra. Já a CLT acaba se sobrepondo aos contratos coletivos, jogando para escanteio as negociações entre as partes.

A legislação atual não induz investimentos na qualificação e treinamento dos trabalhadores.

Ao ser demitido o trabalhador recebe um prêmio (o FGTS mais a multa de 40%) e não há incentivos para que ele fique mais tempo nas empresas diz José Márcio Camargo.

O professor Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, ressalta que outros países vêm fazendo mudanças na legislação trabalhista nos últimos anos. O Parlamento espanhol aprovou as emendas finais de uma reforma trabalhista com a qual o governo espera promover a recuperação econômica e reduzir o desemprego de 20%, o maior da zona do euro.

Há uma tendência nos últimos anos de procurar medidas para aumentar a empregabilidade diz Vicente.

Alguns resultados desse processo já podem ser sentidos.

Segundo o Instituto para o Estudo do Trabalho (IZA, na sigla em alemão), as mudanças trabalhistas feitas na Alemanha em 2003 foram as responsáveis pela recente recuperação da economia alemã.

Mesmo com o fim da crise em 2009, o desemprego estava na segunda posição mais baixa desde 1994, diz a entidade.