Título: Outra vez na América
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 19/09/2010, Economia, p. 32

O economista Thomas Trebat chama de recuperação vazia a da economia americana este ano.

Ela cresceu no primeiro trimestre, voltou a murchar, e não criou emprego. O resultado político desse quadro é o avanço da ala mais conservadora do Partido Republicano, o risco de os democratas perderem a maioria e o Congresso parar

Dois anos depois da grande crise que eclodiu após a quebra do Lehman Brothers, Trebat, professor da Universidade de Columbia, admite: Não estamos na situação que achávamos que estaríamos.

Mesmo assim, ele garantiu, numa entrevista que me concedeu na Globonews, que o pior foi evitado: A situação poderia estar muito pior, não mergulhamos numa grande depressão porque foram dados estímulos fiscais e ajuda aos bancos.

O economista Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Sekular Investimentos, não acredita que haverá uma nova crise, a tal crise em W.

Pensa que pode haver, no máximo, uma redução do ritmo atual do crescimento americano, mas nada que lembre aquela agonia que ocorreu há dois anos. Inesquecíveis momentos.

A quebra do Lehman provocou a mais assustadora e mais global das crises financeiras.

Na crise de 1929, o mundo era menor e menos interligado. Desta vez, ela se alastrou como pólvora e sacudiu bancos pelo mundo afora. Quanto os governos gastaram para evitar o pior? Já ouvi vários números até maiores, mas Figueiredo acredita em US$ 5 trilhões e diz que essa é uma quantia exuberante.

Trebat acha que ainda existem entalados nos bancos americanos US$ 2 trilhões de ativos imobiliários podres. Figueiredo diz que o que tira força da economia americana é que o ativo líquido das pessoas e das empresas caiu aos piores níveis da história recente. Melhor explicando: as dívidas cresceram, o valor dos bens, imóveis, ações em bolsa, caíram.

Esse balanço do ativo líquido despencou.

O consumidor está tendo que poupar mais para reduzir o endividamento. A economia não tem como crescer, porque o consumidor não tem como comprar, o empresário não quer investir.

O nó político nasceu dessa paralisia. Tom Trebat conta que o povo americano está zangado e frustrado com a economia. A facção radical do Partido Republicano explora isso de forma populista. Avança nas primárias para as eleições de meio de mandato.

A importância dessa eleição é que os democratas sabem melhor o que fazer, estão enxergando melhor o que pode ser feito e, se eles perderem apoio nas duas casas, o Congresso pode parar.

Complicado quando a economia em crise encontra a política. A Europa com seus déficits gigantes, suas economias quase paradas, seu desemprego alto está vendo bate-bocas entre líderes dos países e cenas explícitas de xenofobia. Tudo é sequela da grande crise de 2008.

Aquele ano, na economia mundial, ainda não acabou.

Aqui no Brasil é diferente, pensa Luiz Fernando Figueiredo.

Ele diz que as reformas feitas pelo país nos últimos quinze anos deram certo, o Brasil está arrumado, cresce com inflação sob controle.

Em compensação, outros pioraram muito, o que fez o país parecer ainda mais atraente, na comparação.

Tudo conspira a favor do Brasil. Apesar da crise mundial, os produtos que o país exporta aumentaram de valor, e os que o Brasil importa, caíram. O que os economistas chamam de termos de troca estão no seu pico histórico diz ele.

Tão bom que o dólar está despencando, e a moeda brasileira, subindo, para desespero do governo. O ministro Guido Mantega anunciou nos últimos dias que não ficará assim, com a valorização insistente do real.

Figueiredo acha que o dólar está perto do seu limite e não deve continuar caindo.

Ele acredita que o governo tem como segurar.

O incômodo do governo com a taxa de câmbio é grande e ele pode tomar medidas mais enérgicas diz o economista.

A questão cambial incomoda mais ainda os Estados Unidos. Na semana passada, na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, foram feitas durante dois dias audiências públicas em torno da proposta de aprovar barreiras ao comércio de países que tenham a moeda manipulada.

Hoje o debate político se dá também em torno do valor da moeda chinesa. O impulso que o Brasil sente é porque a China está com a moeda subvalorizada e aumentando suas exportações.

Essas distorções da economia mundial ficam ainda maiores quando encontram as sequelas da crise de 2008.

No entanto, a maioria dos analistas de mercado financeiro acha que está tudo indo muito bem no Brasil e que ele não será afetado pela nova etapa da crise financeira mundial.

Outros veem sinais claros da deterioração das contas públicas e da perda da qualidade dos indicadores fiscais pela profusão de truques contábeis inventados pelo Ministério da Fazenda.

Isso terá consequências futuras, certamente. Como também é muito difícil manter o mesmo ritmo de crescimento, quando os Estados Unidos, a Europa e o Japão enfrentam crises fiscais que ameaçam fazer as economias crescerem pouco por longo tempo.