Título: PT x DEM, os exterminadores e a raça
Autor: Lima, Maria; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 19/09/2010, O País, p. 14

Os dois partidos sempre ficaram em lados opostos, mas petistas fizeram oposição mais acirrada contra conquistas do país

BRASÍLIA. O presidente Lula, num comício semana passada, disse que vai extirpar o DEM da política. Em 2005, o então presidente do PFL (hoje DEM), Jorge Bornhausen, disse que iria acabar com a raça do PT. A frase de Lula e a recordação da de Bornhausen provocaram um debate entre integrantes dos dois partidos: quem tem mais autoridade para disputar o voto do brasileiro, baseado em sua trajetória em momentos importantes para a consolidação democrática na História recente do Brasil? Integrantes do DEM dizem que o PT votou contra tudo e contra todos quando era oposição, para se cacifar politicamente.

Já o PT acusa o DEM, que teve raízes na antiga Arena dos governos militares, de ser o retrato do atraso. Dependendo da posição ocupada no cenário político, os dois partidos mudaram suas convicções. Se estão na oposição, votam de um jeito. Se no governo, votam de outro.

O PT votou contra, por exemplo, a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985. E ainda contra o texto final da Constituição de 1988, contra o governo de união nacional tentado por Itamar Franco, contra o Plano Real, contra a reforma da Previdência no governo Fernando Henrique, contra a reestruturação dos bancos e o Proer, contra as privatizações e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O PT paga o preço da contradição.

O fator que o ajuda é o fato de ter sido forjado na luta contra a ditadura, e ter tido o papel fundamental de estabelecer o debate em momentos decisivos para a consolidação democrática.

Mas, no governo, passou a defender o Plano Real, a CPMF e a DRU. Começou num processo de radicalização e hoje paga o preço por posições tomadas lá atrás diz o presidente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto Queiroz.

Na eleição de Tancredo, depois de perder a campanha pelas Diretas Já, o PT vetou a participação do partido na eleição no Colégio Eleitoral e expulsou três deputados Beth Mendes, Airton Soares e José Eudes por terem votado a favor da chapa Tancredo Neves/Sarney contra Paulo Maluf.

Airton Soares diz que o comportamento do PT hoje, depois de ficar contra tantas questões para marcar posição, dá munição para a oposição questionar a autoridade de Lula ao pedir a extinção do DEM.

O curioso foi que, depois de votar contra tudo isso, o PT passou a adotar as mesmas condições políticas, sendo um continuador.

A postura anterior era de votar contra tudo para faturar com um possível fracasso que acabou não acontecendo.

Mas a ironia é que, mesmo assim, o PT conseguiu acumular um capital político de oposição e elegeu o Lula diz Soares.

O DEM também tinha seus dramas e traumas, seja como PDS, Frente Liberal ou PFL. No impeachment de Collor, por exemplo, o então PFL ficou dividido: enquanto o deputado Benito Gama (BA) presidiu a CPI do PC Farias, o então ministro da Casa Civil de Collor, Bornhausen, chamava a CPI de farsa. O deputado Luís Eduardo Magalhães (BA) foi quem fez a defesa do presidente em plenário.

A história do PT fala por si só. Depois de tantas críticas, se apegaram ao Plano Real, à LRF, ao Fundef, que tinham rejeitado, como tantas outras medidas que os beneficiaram no governo diz o atual presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ).

Temos orgulho do que fizemos.

O DEM veio de um racha da Arena na ditadura e não tem autoridade para falar em democracia.

Eles também votaram contra o Bolsa Família, o ProUni, a cota para negros e a PEC do trabalho escravo rebate o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Na Assembleia Nacional Constituinte, o PT liderou a mobilização popular e apresentou projeto independente de Constituição baseado em ampla autonomia sindical, democratização dos meios de comunicação, reforma agrária e redução da jornada de trabalho para 40 horas.

Com a derrota dos principais pontos desse projeto e, apesar da inclusão de várias propostas na área de direitos individuais e trabalhistas, como universalização da saúde e educação , os petistas não votaram a favor do texto da nova Constituição, como protesto. Só assinaram uma parte da Constituição, com ressalvas. Na ocasião, coube ao deputado Lula explicar: Houve avanços, é claro, mas muito aquém dos esperados.

Entramos defendendo jornada de 40 horas semanais, ficamos com 44 horas. Queríamos o dobro de férias, conseguimos apenas um terço a mais (no salário).

O PT assina a Constituição porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte.

Durante o governo Fernando Henrique, e mesmo no de Lula, o DEM continuou dividido em temas relevantes. Na votação da LRF, o partido apoiou, mas o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), se juntou ao então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDBSP), e ao PT, numa ação no STF propondo a anulação da lei.

A reforma da Previdência é outro tema que põe PT e DEM em campos antagônicos, dependendo da posição que ocupam no poder. Durante a votação das mudanças propostas pelo governo FH, os petistas ficaram contra, e o antigo PFL, a favor. Anos mais tarde, com Lula no Planalto, a situação se inverteu. Pefelistas e tucanos votaram contra. E os petistas que votaram contra a reforma previdenciária de Lula foram expulsos do partido.

O Proer, programa de reestruturação do sistema bancário, tão combatido pelo PT no governo de FH, recentemente foi elogiado por Lula e pelo ex-ministro Antônio Palocci, que chegou a fazer um mea-culpa sobre o erro do partido. Em meio à crise econômica internacional, em 2008, Lula chegou a sugerir ao colega americano George W.

Bush que os EUA adotassem medidas semelhantes. A privatização das teles, que completou 12 anos em 2010 e garantiu um crescimento de 703% na oferta de serviços telefônicos, um dos maiores índices do mundo, também teve a oposição do PT.