Título: Para conquistar eleitores, promessas mirabolantes
Autor: Benevides, Carolina; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 19/09/2010, O País, p. 12

Custos bilionários e problemas técnicos põem em xeque compromissos de campanha

Caras e inviáveis. Assim especialistas classificaram as principais promessas dos candidatos à Presidência. O GLOBO levantou o custo para tirar do papel algumas das propostas apresentadas na campanha, e os números são exorbitantes. Os valores superam em muitas vezes, por exemplo, o dinheiro necessário para a construção do trem-bala (R$ 34 bilhões) ou o orçamento anual da educação (R$ 56 bilhões).

E, mesmo que não falte dinheiro, não há projetos, licenciamento ambiental e tempo para transformar em realidade algumas das promessas nos quatro anos do próximo mandato.

Dez medidas anunciadas por Dilma Rousseff (PT), por exemplo, custariam R$ 287,8 bilhões em quatro anos de governo, o que representa dez vezes mais o que o governo investiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2009. Para cumprir a mesma quantidade de promessas de José Serra (PSDB), o custo seria de R$ 206 bilhões no período, ou quatro vezes o orçamento do ano passado da saúde (R$ 72,9 bilhões). E apenas três promessas de Marina Silva (PV) demandariam R$ 238 bilhões, somente com custeio, o que equivale a aproximadamente 8% de tudo o que é produzido no Brasil em um ano.

As promessas analisadas foram escolhidas do Promessôm e t r o ( w w w . o g l o bo.com.br/eleicoes2010), onde os internautas votam nas promessas feitas pelos presidenciáveis e só descobrem depois de votar quem assumiu tal compromisso.

É possível aprovar ou rejeitar as propostas, e, ao todo, desde o começo da campanha, 14.428 leitores já participaram.

Para calcular os custos dessas propostas, foram utilizados os valores divulgados pelos candidatos.

Quando o dado não era disponível, se utilizou custo de obras/serviços semelhantes. Entrou na conta o custo de manutenção das promessas

Custeio de UPAs é incógnita

A candidata, líder nas pesquisas prometeu construir 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) caso seja eleita. Embora seja considerada uma boa promessa e de custo relativamente pequeno para a construção, a manutenção das unidades é um dos pontos que colocam em xeque a viabilidade da promessa, segundo Aloísio Tibiriçá, 2ovicepresidente do Conselho Federal de Medicina.

Existe demanda porque há distorção no atendimento, e as emergências estão superlotadas.

Mas existe orçamento para 500 UPAs? E se começarem a funcionar, como vão acabar com a falta de médicos? Hoje praticamente não tem ortopedista nas unidades. Pediatras e clínicos também já faltam.

É preciso também saber se os municípios e os estados podem gerir as unidades.

Dilma também promete construir seis mil creches. Firmado em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) tinha como meta que 30% das crianças até 3 anos estivessem matriculadas em creches até 2005. Para 2011, a meta era ainda mais ambiciosa: 50%. Mas isso não ocorreu.

Segundo estudo da Fundação Abrinq, 80% das crianças nessa faixa etária não frequentam uma creche. Para Vital Didonet, especialista em educação infantil, demanda não falta: Não acredito que seja possível construir seis mil creches em quatro anos. É preciso levar em conta que às vezes a prefeitura não tem terreno, que a licitação pode demorar, que pode ter problema com a licença ambiental diz Didonet, lembrando que não basta ter dinheiro para construir os prédios. As prefeituras podem arcar com a manutenção? A petista também se comprometeu a construir 800 centros esportivos iguais ao que está em funcionamento na Rocinha. Como o custo do empreendimento na comunidade foi de R$ 41,5 milhões, e levando em conta a manutenção dos centros, o custo total da promessa sai por cerca de R$ 44,7 bilhões mais que o preço para a construção do polêmico trem de alta velocidade entre São Paulo e Rio.

Um centro esportivo ajuda em políticas de educação, saúde, segurança e lazer. São caros, mas podem ser erguidos com recursos de diferentes pastas e, para baratear sua manutenção, poderia ser utilizada uma gestão comunitária afirma Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios.

Mínimo a R$ 600 é questionado

Entre as promessas de Serra, salta aos olhos a proposta de construir 400 quilômetros de metrô em diversas capitais. O candidato afirmou que o custo seria de R$ 45 bilhões. O governo federal investiu no meio de transporte apenas R$ 434 milhões em 2009. Mas ampliar os recursos não é o único desafio.

São Paulo tem pouco mais de 67 quilômetros. A expansão é lenta. Mesmo que não faltasse dinheiro, se levaria uns 10 anos para construir tudo isso. Faltam projetos e há a etapa das desapropriações.

Seria ótimo se isso pudesse ser feito, mas 400km é algo bastante exagerado afirmou Paulo Fleury, professor da Coppead e diretor do Instituto de Logística e Supply Chain.

Outra promessa do tucano é abrir um milhão de vagas no ensino profissionalizante. Ela também é vista com ceticismo.

Desde Sarney escutamos que as vagas serão expandidas.

Ele, Fernando Henrique e Lula prometeram, cada um, 500 mil vagas. No entanto, hoje temos 790 mil. A forma como o Estado opera o ensino profissionalizante não indica que o governo consiga criar um milhão de vagas.

Em quatro anos, acho que é impossível diz Gabriel Grabowski, especialista em ensino técnico.

O ideal seria fazer parcerias nos estados e municípios e usar equipamento disponível.

A promessa de salário mínimo de R$ 600 a partir de 2011 11,5% a mais que a proposta orçamentária de R$ 538 pode ser popular entre os eleitores, mas não é entre especialistas.

Os recursos poderiam até ser obtidos, mas a eficiência é questionável. Seria muito mais eficiente investir esses recursos em educação afirma o economista Alcides Leite.

Para saneamento, falta gestão

Candidata do PV, Marina Silva até o momento não fez grandes promessas de obras como fizeram seus principais oponentes.

A verde tem se comprometido mais em aperfeiçoar as políticas sociais. No entanto, se eleita, diz que pretende investir R$ 20 bilhões por ano em saneamento e que defenderia a expansão nesse ritmo por uma década. Conselheiro do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho diz que a proposta é boa, mas que não basta ter apenas dinheiro para avançar: A proposta é boa, já que só para universalizar o saneamento, sem levar em conta que as cidades continuam crescendo, precisamos de R$ 270 bilhões.

Mas esbarra na ineficiência do setor público e na capacidade de gestão. Nesse setor não basta ter dinheiro. O PAC, por exemplo, destina R$ 10 bilhões por ano e não tem conseguido investir todo o orçamento. Sem atacar a gestão e, enquanto só sete das 25 empresas estaduais tiverem condições de fazer financiamento, não adianta dobrar o investimento.

Arrisco dizer que é inviável investir R$ 20 bilhões no modelo que temos hoje.